terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

ENTREVISTA À RÁDIO ELDORADO AM

PROGRAMA "ESPAÇO INFORMAL"

Quinta-feira, 07 de fevereiro de 2007

Entrevista concedida à jornalista Filomena Salemme, apresentadora do programa Espaço Informal.

Filomena Salemme: Três horas, trinta minutos. No Espaço Informal vamos falar agora sobre o Afeganistão. Sobre a situação do Afeganistão, já que os países que compõem a OTAN ameaçam rachar, porque não estão dispostos a enviar mais soldados para o Afeganistão.
Sobre toda essa polêmica nós vamos conversar agora com o professor de Pós-graduação em Política e Relações Internacionais, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, e também especialista em Estudos do Terrorismo, Renatho Costa.
Professor, tudo bom?

Renatho Costa: Tudo bom Filomena? Boa tarde, boa tarde aos seus ouvintes também.

Filomena Salemme: Boa tarde. Professor, em um alerta feito pela OTAN, ela diz que... a Organização diz que um fracasso no Afeganistão, nessa missão do Afeganistão, pode levar, até, a novos ataques terroristas em países ocidentais. Antes de chegar a essa polêmica eu queria que o senhor fizesse, pra nós, uma análise: qual a situação do Afeganistão hoje?

Renatho Costa: Bom, a grande preocupação, hoje, com o Afeganistão é que os objetivos que primeiramente a Aliança Atlântica tinha previsto – que era pacificar o país e depois, a partir daí, reconstituí-lo –, eles não conseguiram alcançar até o momento. E esses conflitos seguem desde 2006. O fato que prevalece é que a OTAN, os 26 países, todos eles enviaram tropas e concordam com a missão. No entanto, acho que o desgaste desse tempo e talvez porque eles não esperassem que os insurgentes, e mesmo o Talibã, fosse agüentar por tanto tempo os ataques da Aliança fez com que houvesse o enfraquecimento do projeto de pacificar o Afeganistão. Então, hoje, nós temos alguns enclaves em algumas regiões, principalmente no sul do Afeganistão, que está totalmente dominado pelo Talibã. E essa região, particularmente, que é onde gera os maiores problemas. Porque os países que participam dessa Aliança Atlântica não querem enviar as suas tropas para combater naquele local específico. E os que estão lá, não querem continuar.

Ouça a entrevista completa através do áudio, clicando abaixo.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

ONDE COMEÇA O LÍBANO? A morte de Imad Mughnieh revive a “Operação Paz para a Galiléia”


Entrevista publicada em CENÁRIO INTERNACIONAL em 18/02/2008 - ISSN 1981-9102. Disponível no site: http://www.cenariointernacional.com.br/default3.asp?s=artigos2.asp&id=69

Renatho Costa*

Dia 12 de fevereiro o Líbano presenciou mais um capítulo de sua infindável, e sangrenta, trajetória de “estado-nação”. Com o assassinato de Imad Mughnieh – um dos líderes do Hezbollah que era procurado pelos serviços de inteligência estadunidense e de Israel, devido às inúmeras ações terroristas[1] atribuídas a ele –, o que, aos olhos dos detratores da ação poderia significar o fim de uma era de terror, reacendeu uma crise que se estende desde 2006, ocasião em que Israel invadiu o Líbano.
Evidentemente que a autoria pelo assassinato do líder do Hezbollah não foi assumida pelo governo de Israel, tampouco pelos Estados Unidos, no entanto, ambos deram a entender que, com a morte do terrorista, o ciclo de terror reduziria, pois a organização xiita libanesa ficaria acuada. Outra razão para que nenhum desses estados assuma a autoria pelo assassinato diz respeito, diretamente, ao fato de que ambos são os grandes porta-vozes da “guerra contra o terror”[2] e, a utilização do mesmo método de seus inimigos para alcançar seus resultados enfraqueceria a proposta. No entanto, a Doutrina Bush não deixa dúvidas acerca dos meios que os Estados Unidos usarão para proteger o mundo da ameaça do terrorismo:

A América irá ajudar as nações que precisarem de nossa assistência no combate ao terror. E a América irá responsabilizar as nações que estejam comprometidas com o terror, inclusive aquelas que abrigam terroristas – porque os aliados do terror são inimigos da civilização [nessa ocasião presidente Bush tentava legitimar a invasão ao Afeganistão, no entanto, esse mesmo argumento sempre foi utilizado para pressionar a Síria]. Os Estados Unidos e os países que estão cooperando conosco não devem permitir que os terroristas criem novas bases. Juntos, iremos procurar negar-lhes refúgio, a cada ocasião. (...) Nossa prioridade será, primeiramente, a de demonstrar e destruir as organizações terroristas de alcance global e atacar suas lideranças, seu comando, seu controle e suas comunicações, seu apoio material e suas finanças. Isso terá um efeito desorganizador sobre a capacidade de terroristas de planejar e operar. (Bush, 2002/2003, p. 79/85)[3] (grifos meus)

Se, por um lado, os idealizadores do atentando em Damasco, contra Mughnieh, quiseram demonstrar aos seus adversários que não há lugar onde estarão seguros, nem mesmo sob a guarda dos aliados sírios, por outro lado, a morte do líder do Hezbollah repercutiu diretamente na situação política libanesa e a inflamou.
O Líbano, após a invasão israelense de 2006, viu-se, mais uma vez, diante do maior problema – ainda não resolvido – de sua história, qual seja, a melhor maneira para representar a sua população no cenário político interno.
A fórmula utilizada na ocasião da criação do estado, em 1943[4], demonstrou-se tão frágil que levou o país a duas guerras civis (1958 e 1975-90). A solução encontrada para por fim à Segunda Guerra Civil, que se deu com a assinatura do Acordo de Taif, em 1990, apenas conseguiu dirimir o problema da representatividade, no entanto, àquela ocasião a população muçulmana já era maior que a cristã e a sub-representatividade política não foi sanada.
E, se em 2000, quando o Hezbollah conseguiu expulsar as tropas israelenses do sul do Líbano, essa vitória repercutiu diretamente na situação política libanesa e fez com que o partido político ampliasse o seu status. Em 2006, ao resistir aos ataques israelenses – mesmo com praticamente toda a infraestrutura do país sendo destruída – e configurar-se como a verdadeira Resistência libanesa, o momento de “cobrar” por seus feitos chegou. Nasrallah, secretário-geral do partido, expunha que as bases gerais para uma futura negociação perpassariam pelo fortalecimento do poder do Hezbollah dentro do cenário político libanês.

O Outono de 2006 foi marcado pela escalada de tensão e cobranças. Em 31 de Outubro, a proposta de Nasrallah para a criação de um governo de unidade nacional transformou-se num flagrante ultimato: o governo deve concordar com o novo arranjo, com o Hezbollah com poder de veto sobre todas as medidas do governo, ou encarar as muito difundidas demonstrações e outras formas de pressão organizada, tal como o bloqueio da rota para o aeroporto internacional. (Norton, 2007, p.155-6)

Assim, o Hezbollah passou a ambicionar e cobrar com mais veemência uma reforma na estrutura política libanesa que visasse ampliar a participação do partido xiita; no entanto, por mais que grande parte da população – muçulmanos e cristãos – tivesse entendido que a participação do Hezbollah teria sido honrosa e dignificante para o Estado (2006), abrir mão de regalias não era algo facilmente assimilável.
As discussões levaram à retirada dos membros do Hezbollah do Gabinete e ao início de uma crise política que não consegue alcançar um fim satisfatório. Com o agravamento da situação, no final de 2007 o presidente Emile Lahoud deixou o governo e o país não conseguiu eleger seu substituto. Quatorze datas foram marcadas para a nova eleição presidencial, mas todas eles foram adiadas.
Com o assassinato de Imad Mughnieh, os dois grandes blocos políticos que se opõem no Líbano encontraram-se para celebrar momentos distintos de sua história. Dia 14 de fevereiro, o grupo que faz oposição à Síria se reuniu nas proximidades da Praça dos Mártires, em Beirute, para celebrar os três anos da morte de Rafik Hariri. Ao sul da capital, o Hezbollah reunia outra multidão para a cerimônia fúnebre de mais um de seus mártires.
Rafik Hariri, com sua morte, foi o viabilizador da “Revolução do Cedro”, a qual trouxe ao Líbano uma possibilidade de união. Durante as manifestações em praça pública, em 2005, a favor ou contra a presença militar síria no Líbano, o que se viu foi uma população empunhando a bandeira do Líbano, não apenas a de seu grupo religioso. Nascia ali o sentimento de estado-nação para aquele povo?
A possibilidade de nascimento de um novo Líbano era mesmo difícil de acreditar. Até porque, depois do fratricídio que acometeu o país por anos de guerra civil, presenciar os vários grupos religiosos empunharem uma mesma bandeira – no intuito de buscar uma identificação com a nação –, era algo que muitos analistas não esperavam ser possível. E, nesse sentido, a morte de Hariri foi extremamente emblemática, por mais que tenha advindo de um atentando terrorista que explodiu o seu carro e vitimou muitas outras pessoas.
Chegamos a Fevereiro de 2007 e a promessa de um Líbano unido torna-se cada vez mais utópica. As divergências entre os grupos religiosos e a inadmissibilidade de ceder parcela do poder para um grupo rival acaba sendo o maior obstáculo a ser ultrapassado. E, quanto mais a situação política libanesa se desestabiliza, mais os grupos religiosos tendem a buscar abrigo junto aos seus pares.
Thomas Friedman, jornalista norte-americano, que fez a cobertura da Segunda Guerra Civil libanesa conseguiu descrever esse sentimento do povo libanês diante da insegurança do Estado:

O indivíduo libanês deriva tradicionalmente sua identidade social e apoio psicológico de suas filiações primordiais: família, bairro, ou comunidade religiosa; dificilmente da nação como um todo. Sempre fora druso, maronita ou sunita antes de se considerar libanês; e sempre membro dos clãs dos Arslan ou Jumblat, antes de ser druso; ou parte dos clãs maronitas Gemayel ou Franjieh, antes de ser maronita. A guerra civil e a invasão israelense só fizeram reforçar essa tendência, dividindo os libaneses em microfamílias, ou comunidades de aldeias ou religiosas muito mais unidas, ainda que os afastasse mais uns dos outros enquanto nação. (1991, p. 56)

Se o Líbano já vivia uma forte tensão política com a dificuldade de escolher um nome conciliador para governar o país e encontrar uma fórmula para estabelecer a divisão do poder dentro do Gabinete, a morte de Mughnieh talvez possa vir a representar o mesmo que a “Operação Paz para a Galiléia” significou em 1982.
A criação da “Zona de Segurança” em território libanês – resultado da invasão israelense de 1982 – abriu uma nova frente de batalha dentro da guerra civil libanesa e fez com que o surgimento do Hezbollah fosse acelerado. Agora, quando a instabilidade política libanesa parecia ser a grande batalha do Hezbollah, a morte de seu líder revitaliza essa frente de batalha.
Nasrallah, em seu discurso durante a cerimônia fúnebre de Imad Mughnieh, deixou bem claro que sua organização não recuará diante do crime e que a guerra contra o Estado de Israel extrapolará as fronteiras do Líbano:

“Vocês cruzaram as fronteiras," [em referência à morte de Mughnieh ter sido na Síria] disse ele [Nasrallah] num discurso que estava especialmente veemente, mesmo para o padrão belicoso de Nasrallah. "Sionistas, se vocês querem esse tipo de guerra aberta, então deixe estar, e deixe que o mundo inteiro ouça: Nós, como qualquer outro povo, temos o sagrado direito de nos defender, e qualquer coisa que precisarmos fazer para nos defender, nós faremos." (Shadid, The Washington Post, 14/02/2008) (grifos meus)

Assim terminou mais um capítulo da incerta história do estado libanês: com sua população dividida e celebrando seus mortos. Hariri e Mughnieh talvez tenham seguido trajetórias distintas em suas vidas, no entanto, além de terem sido vitimados pelo mesmo tipo de atentado, foram além: em 14 de fevereiro fizeram o Líbano parar e lançaram mais uma dúvida sobre o futuro do país: Onde começa o Líbano?
Porque essa é a única pergunta que precisa ser respondida nesse momento. Se os clãs religiosos conseguirem reascender o sentimento que brotou na “Revolução do Cedro”, pode ser que ainda seja possível evitar uma Terceira Guerra Civil, no entanto, é necessário, também, que os demais atores que transitam pelo sistema internacional deixem de querer resolver suas pendência em campo libanês.
O Líbano serviu como campo de batalha para resolver os problemas de muitos países durante a Guerra Fria. Estados Unidos e União Soviética, direta e indiretamente, usaram seus canais de influência para dificultar a estabilidade política libanesa. Na seqüência, a dificuldade de resolver a “Questão Palestina” em seu território deslocou o conflito para o Líbano. A OLP (Organização para a Libertação da Palestina, na época, liderada por Yasser Arafat) deslocou-se para o Líbano e trouxe consigo Israel.
A morte de Imad Mughnieh, de fato, traz tranqüilidade para as vítimas das ações atribuídas a ele ou, novamente – considerando a invasão israelense de 2006 como um fiasco –, se traduz em mais um erro estratégico e coloca a população judaica de todo o mundo sob a mira da revanche do Hezbollah?
Esperemos os próximos lances dessa partida porque o final, quando se trata do Líbano, é sempre uma incógnita!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bush, George W. “A Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos da América” in: Política Externa, São Paulo: Ed. Paz e Terra, Gacint/USP, IEEI, vol. 11, nº 03, dez/jan/fev, 2002/2003, p. 78-113.
Friedman, Thomas. De Beirute a Jerusalém. São Paulo: Bertrand, 3ª edição, 1991.
Norton, Augustus Richard. Hezbollah. Princeton: Princeton University Press, 2007.
Shadid, Anthony. “Hezbollah Chief Threatens Attacks Against Israel - Group Blames Israel for Top Commander's Death” in: The Washington Post, edição de 14/02/2008. Disponível em: www.washingtonpost.com.

Notas:
*Doutorando em História Social pela FFLCH-USP, Mestre em História Social, também pela FFLCH-USP e Bacharel em Relações Internacional pela FASM-SP. Especialista em Terrorismo e Estudos do Oriente Médio. Professor do curso de Pós-Graduação em Relações Internacionais da FESPSP.
[1] Em 1982, durante a Segunda Guerra Civil libanesa (1975-90) as tropas estadunidenses foram enviadas ao país para auxiliar na retirada da OLP do território e lá permaneceram até o ano seguinte, ocasião em que entraram em atrito com milicianos muçulmanos (em apoio aos maronitas) e passaram a ser considerados apoiadores de Israel. Como represália, Mughnieh teria programado um atentado à bomba contra o quartel dos marines, o qual vitimou 241 militares. Também, em 1992, numa suposta represália ao assassinato do líder do Hezbollah na ocasião, Musawi, pelo serviço de inteligência israelense, Mughnieh teria organizado um atentado à embaixada israelense em Buenos Aires e, na seqüencia, em 1994, à AMIA, associação beneficente de judeus.
[2] Idealizada pelo presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, no momento subseqüente aos ataques às Torres Gêmeas em Nova York e ao Pentágono, em Washington (2001), e conhecida por “Doutrina Bush”.
[3] Esse fragmento de texto faz parte do documento intitulado “A Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos da América”, que ficou mais conhecido como Doutrina Bush. Ele foi redigido em 17/09/2002 e enviado ao Congresso dos EUA em 20/09/2002.
[4] A presidência seria destinada ao grupo religioso com maior população (maronita); o cargo de primeiro-ministro caberia a um muçulmano (sunita) e, posteriormente, o cargo de chefe do parlamento acabou sendo destinado a um muçulmano xiita. A representação no parlamento se daria na proporção de 6 para 5 em favor dos cristão.