sábado, 25 de setembro de 2010

ETA ANUNCIA CESSAR-FOGO POR TEMPO INDETERMINADO

06 DE SETEMBRO DE 2010
Comunicado foi recebido com ceticismo nos meios políticos espanhóis

O grupo separatista basco ETA anunciou que vai parar os ataques armados por tempo indeterminado. O comunicado foi publicado no jornal basco “Gara” em sua versão on-line neste domingo. Os dirigentes afirmam que não haverá novas "ações armadas ofensivas" e anunciaram a disposição de iniciar negociações com o governo espanhol.

O comunicado não fala se o cessar fogo é definitivo, nem que comissão internacional possa fiscalizar seus termos ou que o ETA vá depor suas armas. A ausência Publicidade dessas informações levou o dirigente da Autonomia Basca, Rodolfo Ares, a considerar o documento como "ambíguo e fraudulento".

O Partido Nacionalista Basco afirmou que o comunicado não é o que o Eta deve à sociedade e menos ainda o que a sociedade espera do ETA. Em entrevista a Patrick Santos, o doutor em geografia humana da USP, professor Demétrio Magnoli, explicou que o pronunciamento mostra a falta de consenso entre as facções do grupo terrorista. Ele destacou o isolamento político do ETA, tanto entre os espanhóis quanto entre os bascos. “Isso indica que há uma óbvia divisão no grupo terrorista sobre os próximos passos a adotar”.

Para professor de Relações Internacionais da jovem Universidade Federal do Pampa, Renato Costa, o comunicado indica a derrota da facção linha dura do ETA. Costa observa que a força da unidade territorial da Espanha e a globalização reduziram as pretensões de formação do País Basco.

O comunicado do ETA foi recebido com ceticismo nos meios políticos espanhóis e criticado até pelo Partido Nacionalista Basco. Os dirigentes políticos espanhóis lembram que este é o 11º comunicado de cessação de hostilidades desde 1981.

ETA é a sigla da expressão "Euskadi Ta Askatasuna", que significa "Pátria Basca e Liberdade", organização fundada em 1959. De lá para cá, seus integrantes mataram quase 900 pessoas em território espanhol, normalmente com ataques a bomba.

Ouça a entrevista em: www.jovempan.com.br

domingo, 12 de setembro de 2010

A AL-QAEDA, NOVE ANOS DEPOIS


O grupo de Osama bin Laden parece não ter mais força para realizar ataques como o 11 de Setembro, mas a ameaça do terror islâmico se tornou mais complexa
10/09/2010 - 15:51 - Atualizado em 10/09/2010 - 15:54
José Antonio Lima

Pare e pense na data de amanhã. Agora recue nove anos no calendário, e você certamente se lembrará onde e com quem estava naquela terça-feira, 11 de setembro de 2001, quando os Estados Unidos foram colocados de joelhos diante do maior atentado terrorista da história da humanidade. Naquele dia, o grande público foi apresentado à Al Qaeda, a primeira organização a atingir o território americano desde os ataques a Pearl Harbor, em 1941. Hoje, nove anos depois do horror daquele dia, a situação do grupo comandado pelo saudita Osama bin Laden está muito diferente. Por um lado, Bin Laden e seus seguidores parecem não ter mais força para organizar grandes ataques como aquele. Por outro lado, a ideologia que move o terrorismo islâmico e as práticas da Al Qaeda se espalharam pelo mundo, tornando a ameaça ainda mais complexa.

A organização de Osama bin Laden atingiu seu auge a partir de 1996. Naquele ano, o saudita foi expulso do Sudão – por pressão dos Estados Unidos – e encontrou abrigo no Afeganistão, país dominado pelo grupo radical Talibã, que dava os primeiros passos na transformação do país em um califado islâmico onde as mulheres não podiam estudar e trabalhar e no qual música, cinema e até pipas eram proibidas. O ambiente criado pelo Talibã fez com que o Afeganistão continuasse sendo, mesmo após o fim da guerra contra a União Soviética, um polo de atração de fanáticos religiosos. Protegido pelo Talibã, rico e armado com um exército de lunáticos, Bin Laden fez dois grandes ataques aos EUA. Em 1998, destruiu as embaixadas americanas no Quênia e na Tanzânia. Em 2000, atacou o USS Cole, um navio de guerra atracado no Iêmen. No ano seguinte, veio o 11 de Setembro.

A resposta do governo George W. Bush aos atentados não tardou. Ainda na noite de 11 de setembro a capital do Afeganistão, Cabul, foi bombardeada. Em 7 de outubro, após ouvir a recusa do Talibã de entregar Bin Laden, os EUA invadiram o país. Em um primeiro momento, a operação foi um sucesso. As tropas americanas e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) esfacelaram a Al Qaeda e o Talibã, mas falharam em dar o golpe final, ao transferir a prioridade do Afeganistão para o Iraque de Saddam Hussein, invadido em março de 2003. Bin Laden e seu braço direito, o médico egípcio Ayman al-Zawahiri, nunca foram capturados, e o grupo continua existindo, ainda que muito mais fraco. De acordo com informações de 2009 da CIA, a agência de inteligência americana, o núcleo da Al Qaeda é formado por cerca de 300 pessoas. Para a inteligência egípcia, é menor ainda, e tem apenas 200 integrantes. “A Al Qaeda hoje é muito menor do que era em 2001, mas a ideologia por trás do movimento liderado por Bin Laden ficou mais forte”, diz Lawrence Wright, americano autor do livro O Vulto das Torres, fruto de uma pesquisa sobre a Al Qaeda e o 11 de Setembro que consumiu cinco anos.

Não é difícil comprovar a avaliação de Wright. Do Oriente Médio à África, há braços da Al Qaeda e grupos associados a ela em frequente atividade. No norte da África atua a Al Qaeda no Magrebe. Em julho, o grupo repeliu a tentativa de resgate do trabalhador humanitário Michel Germaneau, realizada por militares da França e da Mauritânia, e executou o idoso, de 78 anos. Na região conhecida como Chifre da África está o Al-Shabab, que tenta instalar um Estado islâmico na Somália. O grupo se diz associado à Al Qaeda e, em 11 de julho, matou 70 pessoas em um atentado em Kampala, capital de Uganda. O país é o que fornece a maior parte dos 6 mil soldados da União Africana que servem na Somália. No mês passado, a Al Qaeda no Iraque atacou com carros e homens-bomba, simultaneamente, 13 cidades iraquianas. O grupo mais forte hoje em dia parece ser o autodenominado Al Qaeda no Iêmen, classificado pela CIA como “a maior ameaça à segurança dos EUA atualmente”. Na noite do Natal passado, o grupo embarcou o nigeriano Abdul Farouk Umar Abdulmutallab em um avião que ia de Amsterdã, na Holanda, para Detroit, nos Estados Unidos. Ele carregava, costurados na cueca, 80 gramas de um explosivo que só não derrubou o avião por uma falha no detonador que o homem carregava. Seu guia espiritual seria o americano-iemenita Anwar al-Awlaki, o líder da Al Qaeda no Iêmen, primeiro cidadão americano a ser colocado na lista de alvos da CIA.

Se identificar a expansão do fundamentalismo é um trabalho relativamente fácil, entender como esse fenômeno se dá é muito mais difícil. “Se fosse preciso resumir em uma palavra, eu usaria o desespero”, diz Lawrence Wright. “Desespero causado por repressão política, desemprego, pobreza, analfabetismo, sexismo e um sentimento de insignificância cultural”, afirma. O mesmo panorama foi traçado pelo ex-agente da CIA Graham Fuller, em entrevista a ÉPOCA em agosto. Hoje professor de História na Universidade Simon Fraser, em Vancouver, no Canadá, ele afirma que os problemas do Oriente Médio não são religiosos, mas geopolíticos, e têm raízes no início do século passado, quando as potências ocidentais “colonizaram” a região, e em disputas recentes por território e recursos. “O islamismo é o veículo, a bandeira, o símbolo, não a origem”, disse Fuller.

Foi carregando essa bandeira que a Al Qaeda ganhou fama e prestígio entre os radicais. “Não há dúvidas de que o mundo de hoje é um lugar muito mais polarizado e violento em termos de radicalismo islâmico do que era em 2001”, afirma o jornalista britânico Jason Burke, autor do livro Al Qaeda: A Verdadeira História do Radicalismo Islâmico. E parte da culpa por essa situação está nos países ocidentais. “O fundamentalismo islâmico é uma ideologia que não oferece nenhum tipo de resolução para os problemas da sociedade, da economia ou do meio ambiente, mas dá apenas explicações sobre por que as coisas deram errado”, diz. “Isso é baseado em uma ideia de choque de civilizações, e qualquer coisa que reforça essa imagem só vai contribuir para as pessoas suscetíveis acharem que o fundamentalismo está certo”, afirma. Um exemplo cristalino ocorreu nesta semana. Terry Jones, pastor de uma minúscula igreja evangélica americana, prometeu queimar cópias do Corão no aniversário do 11 de Setembro. O medo de aumentar a tensão foi tanto que até o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, apelou para Jones desistir, afirmando que o ato de intolerância daria à Al Qaeda um “período próspero de recrutamento”. Obama estava certo, e o fim da semana foi marcado por diversas manifestações e protestos enfurecidos contra os EUA em países muçulmanos.

Apesar de ter conseguido expandir o fundamentalismo, a Al Qaeda não teve sucesso ao tentar transformar em realidade uma das principais partes de seu projeto – fazer de sua luta uma guerra global. “Depois de um pico de violência em 2005 e 2006, o apoio à Al Qaeda e ao terrorismo diminuiu, porque quando o atentado envolve você, sua família, seus amigos, o policial que você conhece, os monumentos que você visita, o terrorismo se torna menos atrativo”, diz Burke. Isso pode ser comprovado também pela falta de popularidade dos partidos muçulmanos, uma face do radicalismo menos radical do que a Al Qaeda e outros grupos terroristas. Uma pesquisa feita pela União Interparlamentar e publicada em janeiro pela revista americana Foreign Policy mostra que vitórias de partidos religiosos em países muçulmanos – como o Hamas nos territórios palestinos e o Partido Justiça e Desenvolvimento na Turquia – são exceções, e não a regra. Segundo o levantamento, 86 eleições parlamentares realizadas nos últimos 40 anos em 20 países muçulmanos incluíram um ou mais partidos religiosos. Dessas legendas, 80% tiveram menos de 20% dos votos e a maioria teve menos de 10%. Em uma análise qualitativa das eleições, ficou claro que quanto mais democrático o país, pior é a votação desses partidos. Segundo a revista, em eleições “relativamente livres” a porcentagem de cadeiras no parlamento dos partidos islâmicos é dez pontos mais baixa do que em eleições sem liberdade. Nas eleições mais livres, os partidos islâmicos também falam menos na xaria (a lei islâmica) ou na jihad armada e costumam defender a democracia e os direitos das mulheres.

Apoiar os moderados é o caminho a ser seguido pelas grandes potências, especialmente os EUA, para frear a Al Qaeda e o fundamentalismo. Como mostrou o colunista de ÉPOCA Fareed Zakaria em fevereiro, desde o governo Bush, os EUA mantêm uma série de programas no mundo muçulmano para fortalecer os moderados, apoiar a sociedade civil e construir forças de tolerância e pluralismo. Com a eleição de Obama, a política externa americana passou a ser outra forma de incentivar a moderação. "Ainda que alguns grupos mais radicais não percebam atos como a saída do Iraque como um avanço, o nível de tensão vai cair à medida que as pessoas percebam que a intenção dos EUA é que cada país tenha a sua autonomia", afirma o especialista em terrorismo Renatho Costa, professor do departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal dos Pampas. "Quanto mais a política externa dos EUA apontar para o sentido de menor intervenção no mundo muçulmano, maior será a repercussão na diminuição das ações terroristas", diz.

Link: www.epoca.com.br

ENTREVISTA SOBRE ORIENTE MÉDIO E PERFIL DO ANALISTA DE RI


Professor da UNIPAMPA analisa conflito Israel X Palestina em entrevista à rádio CBN
Sexta-feira, 10 de setembro de 2010, 23h00

O professor Renatho Costa, do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), Campus Santana do Livramento, concedeu uma entrevista à rádio CBN no último dia 05 de setembro. O assunto foi a recente reunião entre israelenses e palestinos promovida pelos Estados Unidos, e o professor Renatho fez uma análise do cenário, avaliando a mais recente tentativa com cautela e elencando diversos antecedentes culturais, políticos e históricos da questão. O Oriente Médio é um dos temas de ênfase da produção científica do docente, que também mantém dois blogs com comentários e análises (www.rcacademico.blogspot.com e www.hezbollahrc.blogspot.com)

Em entrevista por e-mail, o professor Renatho Costa amplia a leitura do cenário e faz uma rápida recuperação histórica do conflito, além de falar rapidamente sobre o processo de busca e os cuidados que um analista de relações internacionais deve ter com o uso de informações:

ACS - Na raiz do problema entre israelenses e palestinos, que fatores (culturas, religiões, política, recursos) o senhor elenca como influentes na dificuldade para que se consiga chegar a um consenso nesse conflito?

RENATHO COSTA - O que comumente chamamos de "Questão Palestina" se encaixaria nos desdobramentos para resolver a situação da população palestina após a criação do estado de Israel (1948). A ONU, recém-criada em 1947, através da Resolução 181, estabeleceu a divisão da Palestina em dois estados, um para os judeus e outro para os palestinos. Inicialmente a Agência Judaica aceitou o plano (que trazia uma pequena diferença territorial em prol dos judeus), mas os árabes não aceitaram e as consequências desse fato acabaram levando à guerra.

É importante ressaltar que há uma diferença religiosa entre judeus e árabes (cuja grande maioria é muçulmana), e isso é notório, mas o que estava em jogo naquele momento era o estabelecimento de um estado nacional. E, nesse sentido, os árabes e palestinos não entendiam que a criação de um estado judeu no território deles seria legítimo. Aqui, opto por utilizar o conceito de legítimo, haja vista, se pautarmos essa análise à luz do Direito Internacional, a criação do Estado de Israel ganharia o status de legalidade, haja vista ter recebido o aval da ONU.

O fato que gerou o agravamento da tensão entre palestinos e israelenses foi que depois dessa guerra inicial que levou à efetivação do Estado de Israel, praticamente todo o território que caberia aos palestinos foi subtraído. Nas guerras posteriores (1967 e 1973), além da redução do território palestino, os países árabes que lutaram contra Israel também perderam parte de seu território (somente sendo devolvido posteriormente, no caso do Egito. No caso da Síria, as Colinas de Golã ainda estão sob domínio israelense).

Diante desse panorama conflituoso, além do envolvimento de atores externos, surgiu a OLP (Organização para a Libertação da Palestina) para impetrar uma guerra irregular (pautada, inicialmente, em táticas terroristas) contra Israel, no intuito de obter algum poder de barganha na discussão acerca da criação de um Estado Palestino.

Também, diante dos desdobramentos históricos, a OLP passou a negociar com os israelenses no intuito de alcançar uma solução para o conflito. Mediados pelos Estados Unidos, os maiores avanços nesse processo se deram nos Acordos de Oslo; no entanto, também não serviram para resolver a disputa entre os dois povos.

Nesse contexto bastante beligerante, ainda temos o surgimento de grupos extremistas judeus e muçulmanos, que não aceitam qualquer tipo de negociação com a outra parte. Esses grupos, como o Hamas, não aceitam a existência do estado de Israel, o que inviabiliza qualquer iniciativa no sentido de "falar" em palestinos como um grupo homogêneo. A ANP (Autoridade Nacional Palestina) acaba representando somente um segmento dos palestinos, mais especificamente aqueles que vivem na Cisjordânia e que não são considerados fundamentalistas.

Nesse sentido, o grande problema para se resolver essa questão não está fundamentado exatamente na diferença religiosa. Também não se aventa mais a possibilidade de criação de um estado binacional, haja vista os judeus terem receio de, num futuro próximo, tornarem-se uma minoria e perderem o poder. Assim, a saída seria a criação de um estado palestino. Entretanto, não se vislumbra uma fronteira viável.

Os palestinos têm receio de que se aceitarem um território muito reduzido, nunca mais poderão conseguir lutar pelas "fronteiras de 1947". Por outro lado, um argumento que ganha força é de que seria melhor criar um estado palestino com o território que for possível do que perdê-lo gradualmente para os assentamentos judaicos.

Esses são apenas alguns fatores complicadores no processo que levaria à criação de um estado palestino. Ainda caberia discutir a importância geopolítica do estado de Israel para os Estados Unidos. Qualquer proposta que venha a ferir os interesses estadunidenses no Oriente Médio já teria dificuldade de ser implantada, então, a "segurança de Israel" é um fator que deve ser levando em consideração – mesmo que em detrimento dos anseios palestinos. Saliento que esse seria o ponto de vista do governo estadunidense.

Assim, grosso modo, a dificuldade nesse processo de negociação diz respeito, primeiramente, ao fato de que os atores que estão negociando por parte de palestinos e israelenses têm muito limitas a autonomia para firmar acordos. A ANP não representa os palestinos, haja vista termos o Hamas controlando a Faixa de Gaza e se posicionando enfaticamente contra a negociação.

E o presidente israelense, Benyamin Netanyahu, tampouco estaria disposto a ceder nesse processo de negociação. Principalmente na questão que diz respeito à ampliação dos assentamentos judeus na Cisjordânia. Dessa forma, o fator que prevalece nessa discussão diz respeito, muito mais, às dificuldades políticas existentes, do que às diferenças religiosas.

ACS - Em meio aos danos e às mortes causadas pelos atentados, que papel a religião islâmica (ou a interpretação que dela se faz com intuitos políticos) desempenha no lado palestino?

RENATHO COSTA - As ações terroristas não foram "criadas" pelos muçulmanos. Mesmo durante o processo de criação do Estado de Israel (no início do século passado), uma organização judaica, conhecida por Irgun, impetrou inúmeros atentados contra os ingleses (que detinham o mandato da Palestina) e palestinos. Então, a tática terrorista normalmente é utiliza no intuito de provocar o desequilíbrio de forças. Como não é possível atuar numa guerra convencional (porque teoricamente o inimigo detém maior poder), opta-se pela tática terrorista.

Ocorre que já na década de 1960 a OLP, que é uma organização palestina e secular (cuja maior autoridade não era um religioso, Yasser Arafat), já utilizava a tática terrorista contra o inimigo israelense. Então, não havia a justificativa dessas ações com base nos ditames muçulmanos, era a tática que melhor atendia os objetivos propostos pela organização.

Até porque, se nos reportarmos ao Corão, muitas das práticas que hoje são utilizadas com frequência por organizações fundamentalistas são condenáveis. O suicídio é claramente condenado, assim como matar outro muçulmano. No entanto, organizações fundamentalistas encontram a possibilidade de utilizar esses recursos a partir de interpretações específicas de algumas lideranças religiosas. Como o Islã não possui uma autoridade maior (como o Papa) para falar em nome da religião, abre precedente para lideranças pontuais exporem suas interpretações. Essas, por sua vez, são endossadas por seus seguidores e as ações terroristas acabam sendo entendidas como legítimas.

Mas cabe a ressalva de que somente alguns segmentos mais extremistas optam pela atuação a partir de táticas terroristas, a grande maioria dos muçulmanos reitera a visão pacifista do Corão e condenam tais ações. O fato é que diante da repressão e da pobreza que muitos palestinos vivem, como na Faixa de Gaza, a opção por uma saída extremada acaba sendo a mais viável (ou a única). Ou mesmo, como o Hamas encontra-se no poder e expõe sua interpretação para o conflito (aqui não faço qualquer crítica acerca da perspectiva do Hamas, apenas exponho o fato), acaba fazendo com que essa seja "a verdadeira" maneira de entendê-lo.

O radicalismo, que mais comumente chamamos de fundamentalismo islâmico, ou Islã Político, nada mais é do que uma interpretação do Corão à luz dos interesses de determinados grupos. O Hamas tem uma percepção acerca da legitimidade dos atos de terrorismo, a al-Qaeda tem uma visão semelhante, porém, a utiliza no plano macro, busca congregar todo o mundo muçulmano. Ainda temos outras organizações, em várias localidades do mundo muçulmano, que adotam essa maneira de pensar e agir. Mas não deixa de ser uma interpretação político-religiosa dos fatos para atender a interesses específicos (novamente, não entro no mérito da interpretação, o que demandaria uma explanação mais pontual acerca de cada organização e seus métodos).

Assim, o que é possível perceber acerca do uso político do Islã pelo Hamas, é que ele consegue manter sua demanda viva. Consegue congregar pessoas para sua luta e alcançar apoio de simpatizantes no mundo muçulmano; por outro lado, dificulta no desenvolvimento do processo de negociação, haja vista negar a existência do estado de Israel.

ACS - De que fontes de informação um analista da área de Relações Internacionais se abastece? E que cuidados deve tomar nesse processo de informar-se?

RENATHO COSTA - Para analisar um caso como a "Questão Palestina", fundamentalmente, é preciso que se tenha um embasamento histórico. Assim, ter acesso a uma bibliografia específica é imprescindível. E que essa bibliografia comporte os vários lados do conflito. Num caso como esse, muito é produzido para legitimar uma ação ou outra, então, apenas a partir do confronto de dados é que poderia ser construída uma análise mais objetiva.

Por outro lado, o analista de RI não é um jornalista. Ele não reporta fatos, ele os analisa e até pode apresentar possíveis cenários. No entanto, como os fatos ocorrem de maneira muito rápida, muitas vezes o analista de RI pode utilizar informações jornalísticas para tecer suas considerações. Evidentemente que o analista tem de ter conhecimento acerca de suas fontes e compreender se é um factóide ou um relato dos fatos.

No caso específico da "Questão Palestina", é possível ler uma mesma notícia a partir de perspectivas completamente distintas no Haaretz (jornal israelense), na Al-Jazeera (emissora de TV do Catar com grande audiência no mundo árabe e que também possui programação em inglês) e no The New York Times, por exemplo.

E, também, é muito importante ter acesso a outras análises de especialistas sobre os temas. A partir disso é possível criar um arcabouço crítico e construir suas próprias análises.

ACS - Qual a motivação de sua escolha pelos temas do Oriente Médio como área de especialização? E como um aluno de Relações Internacionais deve eleger a sua área de ênfase?

RENATHO COSTA - Escolhi essa área de pesquisa ainda na graduação em Relações Internacionais. Minha opção se deu a partir de duas vertentes. Primeiramente a percepção de que o Oriente Médio era uma região de extrema importância para o mundo e que no Brasil não havia muitos pesquisadores sobre o tema. Tínhamos (e ainda temos) historiadores, que desenvolvem pesquisas nessa área, mas não no intuito de discutir o momento presente, atribuição do analista de RI.

Segundo, porque após o 11 de setembro de 2001 (eu estava na graduação nesse momento) houve a necessidade de entender quem eram os muçulmanos que haviam impetrado os atentados contra o WTC e o Pentágono e como o terrorismo seria tratado no âmbito mundial. Na ocasião, tive a oportunidade de ter como professores dois grandes especialistas nessas áreas, Peter Demant (especialista em Oriente Médio) e Flávio Rocha (especialista em Segurança Internacional), e, conforme fui compreendendo melhor tais temas, passei a me interessar por eles.

Ao primeiro coube orientar-me, mas com base no que aprendi com os dois fui buscar o aprimoramento nessas áreas. Hoje, trabalho basicamente com questões relacionadas aos países do Oriente Médio e com o estudo do Terrorismo. Assim, acredito que o aluno deva, primeiramente, gostar do tema que pretende eleger como sua área de atuação. Não entregar-se a um tema apenas por oportunismo momentâneo, contudo, existem alguns segmentos que ainda necessitam de pesquisadores porque o Brasil é muito carente (devido às RI serem muito recentes no país), e, se for possível agregar esses dois fatores, melhor ainda.

ACS - A análise que o senhor apresentou na entrevista à CBN foi eminentemente política. Como esse estudo das relações internacionais conjuga os encaminhamentos políticos com as percepções na economia de determinado contexto?

RENATHO COSTA - Evidentemente que minha formação é política e foco nesse objeto de análise, contudo, quanto mais se conhece o objeto de estudo, mais vão sendo ampliadas as possibilidades de análise (às vezes, devido à necessidade de compreendê-lo melhor). Entretanto, nem sempre é possível elaborar uma análise econômica conjugada aos desencadeamentos políticos. Por sua vez, tomando como exemplo o estudo que desenvolvi sobre o Hezbollah (uma organização xiita libanesa que é considerada como terrorista por muitos Estados) na graduação e no mestrado, fui levado a estender meu conhecimento acerca do Líbano e, quando fui convidado a analisar questões políticas e de segurança (como os conflitos entre libaneses e israelenses), muitas vezes foi possível incrementar a análise à luz da perspectiva econômica do país. De certa forma, o aluno de RI acaba tendo um instrumental mais amplo para suas análises, basta aprofundar-se neles.

Heleno Nazário para Assessoria de Comunicação

Link com a entrevista original: www.unipampa.edu.br
Link com a entrevista à rádio CBN: www.cbn.com.br