terça-feira, 6 de dezembro de 2011

PARA ESPECIALISTAS, ATAQUES TENTAM ENFRAQUECER GOVERNO AFEGÃO

06/12/2011 - 17h00 | O Globo

Sem autoria reivindicada, atentados têm provável motivação sectária

RIO - Os ataques durante a festa xiita da Ashura, no Afeganistão, que já deixaram pelo menos 63 mortos, mostram um país que continua dividido e que não está estabilizado, mesmo com a decisão americana de retirar suas tropas do território afegão. A ação pode ter como objetivo enfraquecer o governo do presidente Hamid Karzai, acreditam especialistas. Eles também veem uma separação sectária como motivação dos atentados. Nenhum grupo reivindicou a autoria dos ataques até agora.

- O Afeganistão está em guerra há 30 anos e coisas terríveis aconteceram, mas uma das coisas que os afegãos têm sido poupados é o que parece ter sido esse tipo de ataque, muito sectário - disse Kate Clark, da Rede de Analistas do Afeganistão à agência de notícias Reuters.

O país tem um histórico de tensão e violência entre sunitas e a maioria xiita, mas desde a queda do Talibã, em 2001, viu cair o número de ataques em grande escala com motivação religiosa, ações que ainda perturbam o vizinho Paquistão.

Francisco Carlos Teixeira da Silva, professor de História contemporânea da UFRJ, também vê no sectarismo a provável motivação das ações desta terça-feira:

- Os ataques de hoje (terça-feira) foram feitos para manter a divisão no país e provocar uma guerra civil. Os seguidores do salafismo e do wahhabismo são os sunitas mais radicais e fundamentalistas e podem estar envolvidos. Existe hoje um grande engodo de que o Afeganistão está pacificado. Os Estados Unidos estão maquiando a situação no país para se retirar com honra, para fingir que ganharam a guerra. Se o objetivo era matar o Bin Laden, podem até ter ganhado. Mas se o objetivo era acabar com a rede de terroristas que existe lá, os EUA não ganharam essa guerra.

Apesar de o Ministério do Interior do Afeganistão culpar o Talibã e "terroristas" pelos ataques, o Talibã condenou as explosões, atribuídas a um inimigo não identificado.

- Fomos informados com muita tristeza de que houve explosões em Cabul e Mazar-i-Sharif, onde pessoas foram mortas pela atividade desumana e anti-islâmica do inimigo - escreveu o porta-voz do grupo, Zabihullah Mujahid, em uma nota no site do Talibã.

Mesmo com a negação, a analista Kate Clark não descarta o envolvimento Talibã:

- Ainda não sabemos quem plantou a bomba e é perigoso tirar conclusões precipitadas, mas se foi o Talibã, isso é algo realmente sério, perigoso e muito preocupante.

O local do ataque em Cabul instantes após a explosão em frente a um santuário - Reuters

Ataque surpreendeu xiitas durante importante celebração
Já Kamran Bokhari, da empresa de inteligência Stratfor, dos Estados Unidos, enxerga uma estratégia da al-Qaeda para desestabilizar as medidas de pacificação do governo.


- É muito raro, se não o primeiro (ataque) deste tipo, e me parece ser o trabalho de elementos aliados da al-Qaeda, que gostariam de interromper qualquer processo de reconciliação entre o Talibã e o governo - afirmou Bokhari à Reuters.

Para Renato José da Costa, professor de Relações Internacionais da Unipampa, no Rio Grande do Sul, muitos aspectos da ação ainda não estão claros e é difícil apontar uma provável causa. Entretanto, ele também enxerga o enfraquecimento do governo de Hamid Karzai como possível motivação para os ataques.

- Há muitos anos não acontecia esse tipo de ação sectária. Não exergo uma organização que pudesse ter planejado os atentados. Pode ser uma dissidência dentro de sunitas do Afeganistão, o que seria até algo esperado - afirma. - Mas essa ação teria que ter sido fomentada por alguém. A intenção parece ter sido desestabilizar o presidente Karzai ou levar o Irã a se manifestar a favor dos xiitas.

 
Agora, afirma, tão importante quanto descobrir a motivação dos atentados é ser preparar para suas consequências, que tendem a reacender a luta sectária no país.

- O desdobramento pode ser preocupante, pois os xiitas vão se sentir ofendidos e agredidos pelo ataque em uma de suas datas mais importantes. Tenho dúvidas se o governo vai conseguir achar o culpado - conclui Costa.

sábado, 15 de outubro de 2011

ISRAEL E HAMAS FAZEM ACORDO PARA LIBERTAÇÃO DE PRISIONEIROS


Sábado, 15 de outubro de 2011.

O Programa Fato em Foco, apresentado pelo jornalista Roberto Nonato, recebe o Professor de Relações INternacionais da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), RENATHO COSTA, e o Coordenador do Curso de Relações Internacionais da FMU, MANUEL NABAIS DA FURRIELA, para debaterem sobre a recente troca de prisioneiros entre o Estado de Israel e o Hamas. Também, sobre a situação política da Síria.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

NÚMERO DE MORTOS EM REPRESSÃO A PROTESTOS NA SÍRIA CHEGA A 2.900

Rádio CBN
Programa Jornal da CBN Segunda Edição
Quinta-feira, 06 de outubro de 2011

Apresentação Roberto Nonato
Entrevista com Renatho Costa,
professor de Relações Internacionais da
Unipampa (Universidade Federal do Pampa)












Ou pelo link: http://cbn.globoradio.globo.com/programas/jornal-da-cbn-2-edicao/2011/10/06/NUMERO-DE-MORTOS-EM-REPRESSAO-A-PROTESTOS-NA-SIRIA-CHEGA-A-2900.htm

terça-feira, 4 de outubro de 2011

ENTREVISTA - REVISTA CULTURA ISLÂMICA



1 - Apresente-se, por favor:
Meu nome é Renatho Costa, nasci em São Paulo, capital. Logo que terminei o Ensino Médio iniciei o curso superior de Cinema, mas acabei não levando adiante. Contudo, como sempre gostei muito de escrever, passei a escrever peças teatrais. Paralelamente a isso, iniciei o curso superior de Relações Internacionais. Foi durante a graduação que comecei a me interessar pelo Oriente Médio e percebi que tínhamos poucos especialistas nessa área, no Brasil. Assim, iniciei meus estudos e percebi que para entender melhor as questões políticas que envolviam o Oriente Médio teria de conhecer os muçulmanos, sua história e o Islã. Dessa maneira, esse tema tornou-se objeto de minha monografia e, na sequência, iniciei o mestrado em História Social (USP) no intuito de entender melhor o sistema político libanês e as influências do partido político Hezbollah. Quando terminei o mestrado percebi que havia muitas dúvidas sobre o Islã e que esse tema poderia ser estudado no doutorado. Foi assim que surgiu a possibilidade de fazer um projeto para estudar o modelo do wilayat al-faqih. Assim, para entender melhor esse modelo, tive de voltar-me para o estudo das origens do xiismo e da própria concepção de liderança.

Mesquita de Jamkaran, Qom, Irã.

2 - Qual a sua profissão?
Sou professor. Enquanto estava cursando o mestrado ministrava palestras sobre a temática que envolve o Oriente Médio, após ter iniciado o doutorado fui convidado a ministrar uma disciplina no curso de Pós-Graduação em Política e Relações Internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), uma das mais tradicionais e antigas faculdades de São Paulo. Paralelamente a isso também trabalhei em outras faculdades em São Paulo e região. A partir de 2010 passei no concurso público para Professor Assistente na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), para trabalhar no curso de Relações Internacionais. E é onde trabalho hoje, no campus localizado na cidade de Santana do Livramento, Rio Grande do Sul.

3 - Que pontos interessantes o senhor, como cristão, viu na religião islâmica?
Entendo que tanto a religião islâmica como a cristã possuem concepções semelhantes acerca do respeito à vida, da preservação da sociedade, do respeito ao próximo, etc. Enfim, o Islã, em sua concepção mais pura e verdadeira não se afasta em nada dos princípios que vivi e vivo no Brasil. Talvez a maior diferença entre os cristãos e os muçulmanos seja que, muitas vezes, os seguidores do Islã vivenciam com mais efervescência sua religiosidade, ou seja, parece-me que para os muçulmanos a religião está integrada ao dia-a-dia, o que para os cristãos, pelo menos a grande maioria, não ocorre. Todos os dias, com a necessidade de fazer as orações, os muçulmanos buscam a reflexão acerca de sua relação com o divino. Para os católicos, principalmente, esse processo é um tanto diferenciado. Não quero fazer nenhum juízo de valor, até porque entendo que as pessoas devem buscar nas religiões as respostas para suas angústias pessoais, mas ressaltaria essa dedicação tão intensa do muçulmano à sua religião como um aspecto que me chama atenção.

4 - O que levou o senhor a se interessar em estudar esta região, exatamente onde a religião islâmica predomina?
Como disse anteriormente, ao optar por aprofundar meus estudos acerca do xiismo, e mais efetivamente, acerca do wilayat al-faqih, tinha certeza de que o melhor local para entender essa concepção de liderança seria voltar meu foco para onde foi implantado e é estudado com mais profundidade. Inicialmente, enquanto fazia o estudo bibliográfico acerca do xiismo, cheguei a trabalhar em um projeto para estudar as escolas de Najaf e Qom de maneira comparativa, mas percebi que a importância de Qom tornou-se inquestionável após a Revolução Islâmica e isso fez com que eu optasse por focar minha pesquisa no Irã. Como a intenção era entender a estrutura do wilayat al-faqih e seu desdobramento político para o restante da população islâmica xiita do mundo, entendi que precisaria entrevistar as principais lideranças religiosas atuais para ouvir suas impressões e sanar algumas dúvidas que surgiram em meu estudo bibliográfico. Assim, para chegar a esse momento de fazer as entrevistas com aiatolás iranianos, tive de estudar a história da Pérsia, de sua islamização e, finalmente, da Revolução Islâmica, no final do século 20. Posso dizer que, para contemplar esses objetivos acadêmicos, o Irã apresentou-se como uma escolha natural. E, dessa maneira, ter a possibilidade de entender um pouco mais sobre a religião xiita e o povo iraniano, que a abraçou com tanto afinco, tornou-se um grande prazer... e uma obrigação.

5 - Quais dúvidas mais frequentes feitas por seus alunos com relação ao islã ou sobre as regiões onde ele predomina?
Primeiramente é importante salientar que o Islã não é uma religião predominante no Brasil, existem, relativamente, bem poucos seguidores dessa religião e eles estão concentrados em algumas regiões do país. Assim, as pessoas, de modo geral, não estão acostumadas a conviverem com muçulmanos. Temos poucas mesquitas no país e, escolas islâmicas, ainda menos. Por conseguinte, o primeiro problema que surge diz respeito ao fato de que a grande maioria da população, e mesmo os alunos, têm dificuldade para entender a diferença entre árabes, persas e turcos. Não obstante a questão étnica, as pessoas ainda têm muita dificuldade pra entender a diferença entre xiitas e sunitas. O Islã, de modo geral, é algo estranho (justamente por não ser entendido)!
A maior dificuldade, agora referindo-me mais diretamente ao estudo do Islã e da região do Oriente Médio, por parte dos alunos, ressaltaria que é a pouca informação que eles tiveram nas etapas iniciais da educação formal. Assim, as dúvidas ocorrem desde a razão pela qual os muçulmanos têm de fazer as orações, até o significado do Ramadã. Além de questionamentos sobre o “casamento provisório”, muitas vezes visto como uma excentricidade para os padrões ocidentais. Evidentemente que, no que tange à região do Oriente Médio, as questões relacionadas aos atritos entre palestinos e israelenses ganham grande destaque. A grande maioria não entende a razão dos atritos e o porquê de não haver uma ação internacional efetiva de forças externas para cessar a “guerra em curso”. Mas é importante registrar que gradualmente o Oriente Médio vai se tornando objeto de atenção e mais estudos por parte dos acadêmicos brasileiros, assim, é provável que esses temas logo serão absorvidos pelas pessoas e o Islã se torne mais acessível a todos.

6 - Porque a religião islâmica seria tão visada atualmente?
Existem duas possibilidades de análise para essa questão, quais sejam, primeiramente porque alguns atores (países) no ocidente percebem as diferenças entre o Islã e o cristianismo como um risco. Assim, seguindo a teoria do cientista político estadunidense, Samuel Huntington, haveria um choque de civilizações em curso e, dessa maneira, os ocidentais teriam de se preparar para esse conflito. Por outro lado, uma segunda possibilidade diz respeito, exatamente, à força que algumas organizações islamistas (fundamentalistas islâmicas) alcançaram na mídia. Essas organizações sempre fizeram questão de frisar que estavam lutando contra o Ocidente “em nome de Deus”, e mais, alegavam que a legitimidade para essa luta estava ligada a ditos corânicos. Assim, de certa maneira, o Islã tornou-se um grande vilão do mundo contemporâneo. Tanto uma como outra dessas visões estão equivocadas, contudo, têm sido difundidas com muita frequência e essa pode ser a razão pela qual os muçulmanos são tão visados nos dias de hoje.

7 - Segundo seus estudos, pode-se ligar a religião islâmica com o terrorismo?
Acredito que qualquer tentativa de ligação entre a religião islâmica e o terrorismo seja um grande equívoco. Qualquer pessoa que tinha acesso ao Corão poderá perceber que os princípios defendidos pelos islâmicos são os mesmos dos cristãos e judeus. Por outro lado, é inegável que algumas organizações terroristas fizeram questão de usar o nome do Islã para legitimar sua luta. E, nesse sentido, entendo que também tenha havido uma aproximação entre os dois conceitos. Também, lideranças religiosas fizeram questão de interpretar fontes islâmicas no sentido de aproximarem a religião do terrorismo, contudo, em meus estudos consigo apontar onde estão essas diferenças. Ainda, algumas organizações se intitulam islâmicas, mas acabam se afastando tanto dos princípios religiosos que possuem maior caráter político que religioso.
Temos, ainda, que ressaltar que o terrorismo não foi inventado pelas organizações islâmicas, esse tipo de ação sempre existiu em outras localidades, talvez o diferencial no caso dos grupos, dito islâmicos, seja a utilização de homens-bomba, mas mesmo em uma guerra irregular a autorização para o uso dessa tática, por partes de lideranças islâmicas variadas, é muito questionável. Dessa maneira, particularmente, em meus estudos, consigo traçar diferenças entre Terrorismo e Islã, mas há muita produção que diverge de minhas conclusões.

8 -  Como foi sua viagem ao Irã?
Primeiramente é importante salientar que ela foi fundamental para aproximar-me, o máximo possível, dos objetivos propostos em minha tese. Quando estudei o Líbano, em meu mestrado, não tive a oportunidade de visitá-lo e entendi que essa foi uma deficiência em minha pesquisa. Agora, por mais que eu tenha lido sobre o Irã, Qom, o xiismo, etc., quando desembarquei em Teerã muitos dos conceitos que tinha anteriormente foram desmontados. Ter a oportunidade de conviver com outros colegas da Al-Mustafa University, com a população iraniana e ainda por cima ter entrevistado algumas autoridades religiosas (aiatolás), deu-me a possibilidade de ver um Irã mais humano. Evidentemente que existem problemas sociais, políticos, econômicos, mas essa é uma questão que pode ser discutida e tive a oportunidade de conversar com todos a esse respeito. Diferentemente do que imaginava, não existem tabus que acerca do que é possível ser discutido, apenas pontos de vista divergentes. O principal nessa viagem foi perceber que as diferenças culturais podem aproximar os povos, mas é necessário que se rompam algumas barreiras para tal.

9 - Que pensamentos o senhor tinha deste país e quais têm agora?
Na verdade, devido ao fato de estar estudando o Irã, e sua história, por aproximadamente cinco anos, ininterruptos, sentia que conhecia bem o país e sua cultura, no entanto, em muitos aspectos eu estava errado. Somente vivenciando o dia a dia do país que é possível compreendê-lo melhor. Somente andando de ônibus, metrô, táxi, etc., que é possível ouvir o povo falar de seus problemas e suas angústias pessoais. Assim, entendo que quando cheguei ao Irã tinha em mente que iria encontrar um país fechado, onde a repressão se assemelhava aos tempos em que o Brasil vivenciou a Ditadura Militar, no entanto, encontrei algo diferente. Existem restrições, é claro. Talvez essas restrições sejam estranhas para algumas pessoas fora da cultura islâmica xiita, mas na vida cotidiana iraniana nem sempre soam como restrições. E esse é o ponto que merece atenção. Costumamos analisar os outros a partir de nossos referenciais e nos esquecemos que existem histórias distintas. Assim, o que posso dizer hoje sobre o Irã é que é um país em constante transformação, mas que pauta essas mudanças em princípios religiosos.  Nesse sentido, segue uma trajetória distinta do Ocidente, mas não é possível afirmar, sem o risco de cometer um grande equívoco, que um modelo seja melhor do que o outro. São diferentes, e, em alguns pontos poderiam ser complementares, mas isso demandaria um processo de aproximação que não me parece tão simples no momento.

Jardins do Palácio em Isfahan, Irã.

10 - Conte-nos de alguns pontos que foram interessantes nesta viagem.
Um aspecto que cabe ser ressaltado é que não há apenas “um Irã dentro do Irã”. Muito comumente a mídia, e mesmo alguns segmentos acadêmicos, tendem a analisar o Irã como um bloco monolítico. Mas durante o período que estive no país pude conhecer faces distintas de um mesmo povo. Estar em Teerã é o mesmo que viver em São Paulo. Inclusive o metrô lotado da estação da Sé é o mesmo. Mas em Teerã temos um vagão somente para mulheres... e as mulheres de Teerã usam mais o hijab que o chador. Sem dúvida Teerã apresenta uma beleza sem igual. A modernidade e a tradição estão muito próximas. E ainda é possível ser brindado com a visão dos belos cumes das montanhas cobertos pela neve. Em contrapartida, Qom é uma cidade que se vive religião. Uma cidade antiga, mas que para que sabe procurar, encontrará aspectos de modernidade como shoppings centers e fast food. Qom é uma cidade “bege”. Uma arquitetura baixa e que quando se vê do alto das montanhas se mistura com a cor do deserto... mas é uma cidade importante para a manutenção da religião xiita. Ali encontram-se ótimos centros religiosos que recebem alunos do mundo inteiro. E o que dizer de isfahan???!!! Uma cidade que qualquer cidadão do mundo se sente em casa. Beleza por todos os cantos e verde, muito verde. Lindos parques, praças... cada mínimo espaço é bem tratado como único. Pessoas muito alegres. Esses são apenas alguns aspectos do Irã que conheci, mas caberiam muitas mais observações. Sobre o misticismo, a fé, a alegria, o “taruf”... Um país que merece livros e mais livros para expor sua diversidade.

11 - Como o senhor pode definir a religião islâmica atualmente depois desta viagem, mudou algum conceito?
Acredito que não tenha havido mudanças conceituais, mas em contrapartida, pude conversar com as pessoas que mantém o xiismo vivo e isso me auxiliou muito. Ler sobre o xiismo por vários anos me deu subsídio para poder sentar-me com alguns aiatolás e ouvir deles se o que tinha lido era, de fato, real ou interpretação equivocada da religião xiita. Mas mesmo as divergências que encontrei nas respostas das pessoas que pude entrevistar, não foram suficientes para que eu afirme que houve mudanças conceituais. A verdade é que agora tenho uma “versão viva do xiismo” para analisar e não apenas uma “versão bibliográfica”. Esse é um aspecto extremamente positivo.

12 - Um fato que marcou em seu pensamento sobre o islã e o Irã?
Ter tido a oportunidade de assistir as orações dentro de um Santuário como o de Fátima Mazuma é uma experiência incrível. Ver como as pessoas expõem sua fé num santuário como esse, posso dizer que foi impressionante. Por isso que a impressão que tenho é de que o muçulmano vivencia sua fé todos os momentos do dia. Agora, no que tange ao Irã, duas imagens são muito fortes para mim, quais seja, a presença de uma quantidade enorme de estudantes estrangeiros que vai à Qom para estudar religião (e faz como que a cidade se transforme numa Babel, tal a quantidade de linguais que são faladas por eles) e a gentileza do iraniano. Um povo com certas peculiaridades que somente vivendo algum tempo no país torna-se possível compreendê-las. Mas um povo que ama o Brasil. Basta dizer a palavra mágica que “você é do Brasil” e todas as portas e gentilezas aumentam. Nunca imaginei que um povo tão distante gostasse tanto do Brasil. Essa forma carinhosa de tratar os brasileiros, levarei na lembrança, pra sempre!

13 - Uma palavra final para os leitores.
Gostaria muito de agradecer pela oportunidade que tive de ir ao Irã para concluir minhas pesquisas. Nesse sentido, entendo que seja fundamental destacar o serviço que a fundação dirigida pelo brasileiro Rodrigo Jalloul desenvolve no Irã. Por ser o único brasileiro na Universidade Al-Mustafa que estuda religião, acaba sendo um contato valioso para os estudantes e pesquisadores que pretendam ir ao país. A Friends of Islam Foundation – International foi a responsável por todo o processo que me levou a desenvolver a fase final de minha pesquisa no Irã. Através dela fui recebido pela Al-Mustafa International University e tive toda a estrutura disponível para concluir meu trabalho. Esse é um agradecimento que tenho de fazer porque encontrei profissionais preocupados em atender minhas necessidades acadêmicas, quaisquer que fossem. Muito obrigado.

domingo, 11 de setembro de 2011

DEZ ANOS DEPOIS, O MUNDO SEGUE BRINCANDO DE 11 DE SETEMBRO


Mundo, 11 de setembro de 2011


Renatho Costa

Certa vez, fui buscar minha filha, então com cinco anos, na escola e a vi brincando com suas amigas de algo que não fazia parte das brincadeiras de infância que conhecia. Fiquei tomado pela curiosidade e fui perguntar-lhe do que se tratava. Quando a indaguei, disse-me que estava brincando de “11 de setembro”. Duas meninas ficavam paradas, outra vinha correndo e chocava-se com elas… Na sequência, iam todas para o chão, levantando-se em seguida para novo round. Por meio dessa brincadeira, minha filha traduziu de modo tão objetivo e simplificado o que fora o 11 de setembro que logo percebi a magnitude que o evento iria alcançar, pois esse potencial estava fortemente relacionado à facilidade narrativa e interpretativa dos fatos.
Dez anos se passaram desde o atentado e o 11/9 continua mais vivo do que nunca. De certo modo, sua repercussão através da mídia fez com que os eventos se perpetuassem. Seja onde for, a grande maioria das pessoas sabe o que ocorreu nos EUA naquele fatídico dia. Podem até divergir quanto aos responsáveis pelos atentados, ou mesmo a intenção dos perpetradores da ação, mas sabem que duas torres deixaram de existir naquele dia. A imagem das torres ruindo “ao vivo” é um elemento muito forte e marcante, por isso mesmo dotado de grande representatividade. Em certos aspectos, a difusão foi tão intensa que até banalizou-se ou serviu para atender aos interesses de determinados grupos políticos no poder – como os neocons que encontravam-se à frente do governo estadunidense em 2001. No entanto, depois de tantos anos, uma questão se impõe: quem foi ao chão com a queda das duas torres nova-iorquinas?

Uma pergunta no ar

Por mais que os EUA tendam a difundir a imagem das torres ruindo para fortalecer sua legitimidade de ação, não é possível entender o 11 setembro olhando apenas para Manhattan, tampouco ouvindo depoimentos dos cidadãos norte-americanos que tiveram parentes vitimados no WTC. Temos, da mesma forma, de ampliar nosso campo visual e focar a atenção no Oriente Médio. Temos de analisar o reflexo das ações programadas pelo ex-presidente George W. Bush na busca de sua vingança, a qual, em muitos aspectos, lembra a ação de Golda Meir contra os agentes que praticaram o atentando contra a delegação israelense  durante as olimpíadas de Munique, em 1972.

Meir precisava mostrar ao mundo, e a sua própria população, que Israel não se fragilizaria diante de ato tão violento, e mais, que o país teria condições de vingar-se dos perpetradores do sequestro praticado contra seus nacionais. De modo análogo, mas em dimensão mundial, como requer a ação de uma potência, Bush viu-se diante do mesmo dilema: partir para o ataque sem ter certeza da dimensão de seus atos, ou esperar e correr o risco de perder a confiança de seus nacionais e dos demais países que o percebem como potência hegemônica?

Bush e Meir partiram para o ataque. A diferença é que Meir tinha um inimigo claro e objetivo, o que fez com que suas ações contra os membros da organização palestina Setembro Negro fossem mais efetivas. Em contrapartida, Bush necessitou “criar” um inimigo para implementar sua ação. Meir estava envolta pelo sentimento de vingança e agiu a partir da simples lógica do revide, fato esse que veio a agravar o relacionamento com os palestinos. Bush construiu uma Doutrina para legitimar seus atos e, como consequência inicial, envolveu praticamente toda a nação muçulmana no rol dos culpados pelo 11 de setembro.

Não se pode dizer que a dificuldade de negociação entre Israel e palestinos esteja ligada exclusivamente à ação de Golda Meir contra o Setembro Negro, até porque tivemos alguns processos de paz que se iniciaram posteriormente ao governo da ex-primeira ministra e que naufragaram por outras razões. Entretanto, é inegável que a estratégia implementada por Meir em nada contribuiu para resolver a “Questão Palestina” e configurou-se num simples ato de revide, tendo em vista que os palestinos continuaram a programar ações contra Israel. A opressão que viviam na Cisjordânia e Faixa de Gaza configurava-se em elemento suficientemente capaz de motivá-los à ação. Assim, a morte dos membros do Setembro Negro não inibiu a ação palestina.

Bush, por sua vez, direcionou a vingança para o longínquo Afeganistão. Para tanto, pautou sua ação pelo princípio da “Guerra Preventiva” e conseguiu o aval da ONU para legitimar seu ato de revide contra a al-Qaeda (elencada a “inimigo nº 1” do mundo). Com isso, passou a existir um inimigo claro contra quem lutar, um território onde ele se refugiava e os “apoiadores do terrorismo” (talibã) que davam suporte à organização islamista (ou fundamentalista islâmica, como é mais comumente classificada) responsabilizada pelo ataque. Essa construção estava detalhava nas Resoluções do Conselho de Segurança da ONU. Com isso, Bush teria a tranquilidade suficiente para agir, ainda que sem a certeza de vitória.

Nesses dez anos de “guerra ao terror” ainda foi possível implementar mais uma ação contra o Iraque em 2003. Novamente, um estado “patrocinador do terrorismo” foi vítima de intervenção. A Doutrina Bush alcançava seu ápice. Nem mesmo as falsas alegações que subsidiaram a invasão ao Iraque (que o país possuiria armas de destruição em massa) foram suficientes para abalar a atuação dos EUA no Oriente Médio. No entanto, apesar da ação predadora dos EUA junto aos países muçulmanos, será que é possível entendê-la como uma vitória? De certo modo, o enfraquecimento político dos Republicanos demonstrou que os EUA poderiam estar equivocados na estratégia do presidente Bush e a eleição de Barack Obama poderia apontar para uma nova etapa para a reconstrução dos equívocos de seu antecessor.

Dez anos depois, enquanto se ergue uma nova torre em Manhattan para demonstrar que os EUA não sucumbiram frente à al-Qaeda, as transformações políticas no Oriente Médio e norte da África demonstram que os EUA se equivocaram em sua política externa.

De fato, Obama assumiu a presidência norte-americana como uma grande promessa e logo tentou corrigir os equívocos anteriores. O Oriente Médio não deixou de ser a preocupação da nova administração, contudo, a perspectiva era outra. O próprio discurso de Obama na cidade do Cairo (intitulado “A New Beginning”) apontou para um novo relacionamento entre Ocidente e o “mundo muçulmano”. Porém, nem tudo que foi exposto no Cairo se tornou realidade e, ainda que a promessa de retirar as tropas do Iraque e Afeganistão venha sendo cumprida gradualmente, a intervenção política na região não dá sinais de que chegará ao fim.

A nova velha história

A reestruturação do Iraque e Afeganistão a partir de pressupostos “democráticos” não é suficiente para determinar sua independência. Os governos eleitos dependem política e economicamente do Ocidente e o nível de corrupção nesses “governos eleitos” não apresenta grandes expectativas para a população. Em muitos momentos, durante a intervenção no Afeganistão, claramente a população local deixou de acreditar no governo eleito e passou a apoiar os grupos insurgentes. O modelo de ação político-militar proposta para o Afeganistão não conseguiu surtir os efeitos desejados. Nem mesmo a morte de Bin Laden, em maio desse ano, guarda grande representatividade para a ação ocidental no Afeganistão, pois não se configura numa vitória. Hoje, não consegue nem mesmo traduzir o efeito de vingança proposto por Bush.

Significativamente, o antiamericanismo continua sendo um sentimento muito forte junto às comunidades muçulmanas do mundo. Apesar de Obama tentar reconstruir a imagem dos EUA no Oriente Médio, o efeito da presença de tropas em países islâmicos não coaduna com sua proposta. Assim, gradualmente os movimentos islamistas ganham espaço para surgirem como resposta à situação atual na região.

Agregada a essa insatisfação, a recessão econômica mundial trouxe uma pressão extra aos governantes muçulmanos e o resultado configurou-se na “Primavera Árabe”. Dessa vez, os EUA assistiram reticentes aos primeiros movimentos desse levante, sem tomarem posição. Entretanto, tal tem sido a magnitude do evento que não houve como furtar-se a um posicionamento. Nesse caso, o engajamento à queda dos antigos ditadores acabou sendo obrigatório ao presidente Obama e aos demais países do Ocidente.

Enfim, temos dez anos de transformações intensas no Oriente Médio e que ainda não cessaram. Partimos de uma política extremamente agressiva do governo Bush para outra mais conciliadora de Obama. Tivemos uma perseguição a Bin Laden, como no velho estilo western, para sanar a sede de vingança de George W. Bush, que culminou com uma ação questionável no Paquistão, onde o líder da al-Qaeda foi assassinado por tropas especiais dos EUA. De Washington, Obama assistia tudo “ao vivo”.

Caiu Bin Laden e o egípcio Ayman al-Zawahiri assumiu o a liderança da al-Qaeda; a instabilidade política do Afeganistão e Iraque perduram; os países que iniciaram seus levantes contra governos ditatoriais no norte da África e Oriente Médio não apresentam simpatia pelos EUA e, numa perspectiva mais pragmática, até aceitam o apoio de forças estrangeiras para fazerem seus levantes (como os líbios tiveram da OTAN), mas não querem abrir mão de constituírem um governo autônomo.

Nesse sentido, o risco aumenta para os EUA, pois a perspectiva islamista pode apresentar-se como uma real força para a reestruturação do Estado nesses países. Egito e Tunísia ainda vivenciam o processo de transição que supostamente os levariam à democracia, contudo, as dificuldades têm sido um obstáculo de difícil transposição. Outros estados do Oriente Médio ainda estão em processo de ebulição, como Síria e Bahrein, e os EUA podem significar o elemento decisivo para que haja a mudança ou a manutenção dos regimes em questão. Mas outra intervenção norte-americana poderá trazer efeitos ainda mais graves para a economia nacional, tendo em vista que o custo para a manutenção das tropas no Iraque e Afeganistão já é objeto de intensa crítica dentro dos EUA.

Epílogo?

No fim das contas, como responder a questão proposta nessa análise, ou seja, quem de fato “caiu” com as torres gêmeas. Na verdade, o que é possível depreender desse questionamento é que os EUA conseguiram construir um forte elemento propagandístico para sustentar um modelo de política externa que os interessava. Os atentados de 11 de setembro, independentemente da fragilidade das teorias conspiratórias, serviram para que os EUA recrudescessem o modelo de segurança internacional e conseguissem legitimidade, inclusive, para violar o conceito fundamental que constitui o sistema internacional, qual seja, de soberania do estado.

O 11 de setembro não foi mais violento, por exemplo, que o bombardeio à Hiroshima e Nagasaki (no final da Segunda Guerra Mundial), tampouco suas consequência imediatas e posteriores (mortes por radiação que continuaram por gerações). Mas, ao contrário do que ocorreu em 1945, em 2001 a transmissão “ao vivo” pelas redes de televisão do mundo, agregado à assimilação do conceito de “choque de civilizações” cunhado por Huntington, instrumentalizou Bush a construir sua vingança.

Dez anos depois, enquanto se ergue uma nova torre em Manhattan para demonstrar que os EUA não sucumbiram frente à al-Qaeda, as transformações políticas no Oriente Médio e norte da África demonstram que os EUA se equivocaram em sua política externa. A intervenção em países muçulmanos e o apoio aos antigos ditadores não foi suficiente para manter a região sob seu domínio. Hoje, a troca de lado por parte dos governantes norte-americanos somente os desmoraliza frente à população muçulmana local.

Assim, do mesmo modo que não podemos afirmar que a al-Qaeda ruiu com a morte de Bin Laden, tampouco que tenha obtido ganhos substanciais com os atentados de 11 de setembro, também não é possível afirmar que os EUA tenham sido felizes com as intervenções no mundo muçulmano. Se, conforme alguns analistas internacionais apontam, a ação estadunidense fora pautada por interesses econômicos, a recessão mundial não conspirou a seu favor, pois as crises da primeira década desse século abalaram substancialmente a economia dos EUA.

Desse modo, entre mortos e feridos, o 11 de setembro representa a vulnerabilidade dos EUA, mas também sua capacidade hollywoodiana de construir uma propaganda ao seu favor. Se não temos um knockout após o 11 de setembro, também não temos vencedores. Cabe às partes envolvidas, então, continuarem narrando suas histórias, de forma a encontrar seguidores e admiradores. A nós, resta ficarmos atentos às brincadeiras infantis, para verificarmos se elas nos trazem novos elementos para uma melhor compreensão dos eventos do sistema internacional.

Disponível em: http://sul21.com.br/jornal/2011/09/dez-anos-depois-o-mundo-segue-brincando-de-11-de-setembro/

quarta-feira, 20 de julho de 2011

ENTREVISTA À RADIO ESTADÃO/ESPN

PROGRAMA ALIÁS

Apresentação de Cíntia Gomes

São Paulo, 25 de junho de 2011.

"Aliás" repercute decisão de Obama de retirar tropas do Afeganistão

Segundo o professor de Relações Internacionais Renatho Costa (Unipampa), o país do Oriente Médio não mudou substancialmente. Postura do presidente dos EUA tem mais viés político eleitoral do que estratégico.




Confira a íntegra do programa e a entrevista através do link: http://radio.estadao.com.br/audios/audio.php?idGuidSelect=A2A02BC2C5934BD38DC3698C03A1EC21

(a entrevista sobre o Afeganistão começa aos 27:02 minutos)

APÓS SEIS MESES, PRIMAVERA ÁRABE SEGUE E SINALIZA ABERTURA POLÍTICA

Mundo, quarta-feira, 20 de julho de 2011

 
Felipe Prestes e Igor Natusch

Quem esperava uma onda de mudanças no mundo árabe, após as revoltas populares do começo do ano, pode interpretar o atual momento como pouco animador. Afinal, apenas dois países – Egito e Tunísia – derrubaram governos autoritários e ainda buscam um novo modelo político. Enquanto isto, outros países vivem confrontos sangrentos, especialmente a Líbia, com uma guerra civil que não dá sinais de solução. Pouco mais de seis meses depois da queda do ditador tunisiano Zine al-Abidine Ben Ali, ocorrida em 14 de janeiro, a “Primavera Árabe” pode não render manchetes como antes, mas ainda está longe de seu fim. Até o momento, a realidade indica um movimento em direção à democracia – embora não seja a democracia que nossos olhos ocidentais estão acostumados a ver.

Leia mais:– Qual é a situação de cada país árabe após os protestos populares


Antônio Jorge Ramalho da Rocha, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), identifica no mundo árabe sinais que apontam para uma flexibilização dos regimes, algo que vai além de Egito e Tunísia. “Não diria democratização, porque a palavra tem uma conotação inadequada no caso, mas vejo uma tendência a um grau menor de autoritarismo e uma comunicação maior entre governantes e governados”, avalia. Governos de países como Marrocos, Argélia e Iêmen, cientes de que não poderão se manter na base da força, sinalizam com a abertura gradativa e parcial. “Parece haver uma compreensão de que é preciso fazer concessões, de forma que a insatisfação da população não se avolume ainda mais. Com a maior circulação de informações, amplia-se o acesso do povo a instrumentos de pressão”, afirma.

O professor Renatho Costa, da Unipampa, concorda com essa leitura, mas faz ressalvas. Segundo ele, as particularidades de cada país indicam diferentes pressões internas. “Alguns países podem fazer concessões, mas o autoritarismo está na base de alguns regimes. O vício autoritário pode ser retomado se determinados reis ou ditadores sentirem-se ameaçados”. Mas o professor admite que a mudança de panorama é perceptível. “Há uma mudança na percepção do poder da população”, diz. “Para permanecer no poder, os governos estão entendendo que precisam negociar. Mesmo que alguns países façam uma repressão mais dura, há uma inclinação geral pela adoção de reformas”.
O professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Maurício Santoro, diz que as revoltas que obtiveram êxito ocorreram em países mais homogêneos, sem grandes tensões étnicas, tribais ou religiosas. São os casos de Egito, Tunísia e também do Marrocos, onde o rei Mohammed VI promoveu abertura significativa de seu regime. Em outros países, ditadores conseguiram utilizar divisões para obter o apoio de parte da população. “Nos países mais fragmentados ditadores conseguem explorar as diferenças para se manter no poder”, afirma.
O que Santoro diz é flagrante na Líbia e no Iêmen, onde há fortes divisões tribais, e na Síria em que uma minoria étnico-religiosa, os alauítas, detém o poder político diante de uma população majoritariamente sunita. Nestes países, os governos autoritários têm conseguido reagir, mas, segundo Santoro, na Síria e na Iêmen a tendência também é de maior abertura. “No Iêmen há uma negociação avançada que pode culminar com a renúncia de Ali Abdullah Saleh. Na Síria, não está claro se Bashar al-Assad conseguirá se manter no poder, mas se conseguir será de forma negociada”.

Líbia: conflito não deve ter solução tão cedo

No momento, a Líbia é o campo de batalha onde a marca ocidental se faz mais presente. Desde março, tropas internacionais sob comando da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) bombardeiam o país e tentam garantir a saída de Muammar Kadafi do poder. No entanto, o conflito se arrasta, e o ditador líbio não parece dar sinais de que vá desistir – ainda que o governo dos Estados Unidos já tenha reconhecido oficialmente a autoridade rebelde como legítima governante da Líbia.

Para Antônio Jorge Ramalho da Rocha, da UnB, o conflito na Líbia seguirá se arrastando por muito tempo. “O emprego da força mostrou-se um erro, ainda mais nos termos colocados pela resolução da ONU. Acabou fortalecendo Kadafi junto a seus acólitos, já que agora ele pode se enrolar na bandeira nacional e se colocar como alguém que resiste a um invasor externo”, argumenta. “Era uma situação complexa, já que parecia claro que Kadafi usaria força contra o próprio povo. O dilema era se omitir, deixando os rebeldes à própria sorte, ou agir, o que também traria consequências. Mas alguns países (do ocidente) foram contrários desde o início à intervenção, e a ação da OTAN não produziu resultados”.

“A Líbia ainda é uma carta aberta”, diz Renatho Costa, da Unipampa. O especialista detecta não apenas um confronto em aberto pelo poder líbio, mas uma luta das forças ocidentais por uma influência maior na região. “Kadafi não tem mais condições de permanecer, não é mais líder nacional. As batalhas já estão fora deste tabuleiro”, sustenta. Como exemplo, o professor cita a decisão da Rússia de não aceitar o Conselho Nacional de Transição, instituído pelos rebeldes, como legítimo governo da Líbia – decisão que foi anunciada recentemente pelos EUA. “Apoiar o governo paralelo, na prática, é alinhar-se com os Estados Unidos”, observa.

Maurício Santoro concorda. “O impasse não deve se resolver em pouco tempo. A intervenção não demonstrou força nem para impelir Kadafi a uma negociação”, diz. O professor da FGV ressalta que as potências envolvidas com a intervenção tem hoje preocupações internas muito maiores, com a crise econômica que abala Europa e Estados Unidos, o que certamente prejudica a luta contra o regime líbio.
 
 
Egito e Tunísia terão eleições no final do ano, mas seguem instáveis
 
 
Egito e Tunísia mantêm governos provisórios até o final do ano. O Egito, maior país árabe, terá eleições para uma assembleia constituinte em novembro. Na Tunísia, o mesmo pleito ocorrerá em outubro. Caberá a estas assembleias definir o sistema político e eleitoral para que a população escolha um novo governo. Enquanto isto não ocorre, os protestos continuam.
 
 
No Egito, manifestantes pedem a saída de todo e qualquer integrante do governo que tenha participado do regime do ditador Hosni Mubarak. Além disto, há uma preocupação crescente com a influência que o exército egípcio terá sobre o novo governo. São as Forças Armadas que estão à frente do governo provisório. Maurício Santoro acredita que os militares não tentarão manter o poder político e realizarão as eleições, mas explica que, de qualquer forma, continuarão com muito poder. “O exército parece comprometido com eleições, mas deve manter o seu poder, mesmo com uma ordem democrática. As Forças Armadas no Egito controlam várias empresas, têm muito poder econômico”, destaca.


Tentando acalmar os ânimos, o regime de transição promoveu nesta terça-feira (19) mudanças em mais de 15 ministérios – mantendo, porém, nomes da velha guarda, como o ministro do Interior, Mansour Essawy, ligado ao regime de Mubarak. A indefinição política se reflete na economia, bastante desestabilizada. Não à toa, o ministro das Finanças foi um dos que teve sua cabeça cortada. O governo provisório tem distribuído alimentos aos egípcios.
 
 
Na Tunísia, a situação não é diferente. Já em fevereiro, a população tratou de correr o primeiro-ministro interino Mohammed Ghannouchi por ele ter sido tradicional aliado do ditador Ben Ali. Mudanças nos ministérios também têm sido recorrentes. O atual premiê, Beji Caid Essebsi, tem demonstrado preocupação ainda com os conflitos nas ruas, porque teme pela segurança na realização das eleições em outubro. Na segunda (18), um garoto de 14 anos foi morto por uma bala perdida disparada por forças de segurança, durante um protesto em uma pequena cidade próxima a Sidi Bouzid.
 
 
Não por acaso foi em Sidi Bouzid, cidade no centro do país, que tudo começou, em dezembro de 2010, quando um jovem desempregado ateou fogo ao próprio corpo. A Tunísia tem um nível de vida razoável se comparado aos demais países do Norte da África, mas sofre com uma crise econômica e com uma desigualdade entre o litoral e o interior do país. É no interior que vive a maioria dos 700 mil tunisianos desempregados, número extremamente significativo para uma população economicamente ativa de apenas três milhões de pessoas.

Democracia com islamismo: Turquia pode servir de modelo

Na Tunísia, os conflitos também ocorrem entre intelectuais que defendem o estado laico e extremistas islâmicos. Estes últimos vêm ganhando terreno nas ruas desde a queda de Ben Ali, mão não se vêem contemplados no atual governo provisório. Jovens islâmicos já atacaram diversas delegacias de polícia nos últimos dias. Um exemplo ilustrativo dos conflitos ocorreu no final do mês de junho. Na capital do país, Túnis, ativistas religiosos quebraram os vidros de um cinema que passava o filme “Nem Alá, nem o Mestre”, em defesa do estado laico, e entraram em conflito com um grupo de advogados. Os islâmicos acabaram sendo presos.


Apesar disto, o partido político tido como o mais forte na Tunísia é o Al-Nahda (Partido do Renascimento, em português), que no mês de junho se retirou das conversas sobre a transição, acusando outros partidos de abuso de poder. O líder do partido, Rachid Ghannouchi, retornou ao país apenas 15 dias depois da queda de Ben Ali, após 20 anos de exílio. Em entrevista recente ao El Pais, Ghannouchi afirmou que é contra o extremismo, e que sonha em “conjugar islamismo com modernidade”. Quer a religião na Constituição, mas com igualdade entre gêneros, por exemplo. E cita como paradigma a Turquia, governada desde 2003 pelo partido Justiça e Desenvolvimento.


Para Maurício Santoro, o governo da Turquia deve balizar os novos regimes democráticos entre os países muçulmanos. “O que está se desenhando é um tipo de Estado onde a religião não domina a sociedade, mas tem papel importante na definição das leis, dos costumes e sobre os partidos políticos. A Turquia mostra que é possível ter um partido como este no poder, convivendo com liberdades democráticas”, avalia. O professor de Relações Internacionais ressalta, contudo, que isto não livrará estes países de tensões entre as liberdades individuais e a religião islâmica, tensões que ocorrem na própria Turquia.
Santoro vê mais força do islamismo na Tunísia que no Egito. Ele afirma que a Irmandade Muçulmana tem se fragmentado desde a revolta, principalmente porque os jovens do movimento não têm seguido à risca os ditames de seus líderes. Além disto, ressalta que a interferência religiosa na política sempre foi limitada por leis no Egito e que há uma minoria cristã que não pode ser desprezada. Ele lamenta que as eleições sejam realizadas em um prazo exíguo para a formação de novas organizações. “O prazo prejudica a participação do elemento mais inovador da revolução, que foram os jovens”.


Renatho Costa, da Unipampa, acredita que ocorre disputa de influência entre autoridades islâmicas e forças ligadas ao Ocidente. Ele acredita que o modelo que for adotado especialmente pelo Egito poderá servir como base para outros países árabes e ter grande influência sobre a região. “(Egito e Tunísia) são dois palcos onde se disputa pelo futuro de todo o Oriente Médio. O modelo que prevalecer ali vai ter amplas possibilidades de ditar regras políticas para todo o mundo árabe. Se a influência islâmica prevalecer nesses dois palcos, em especial no Egito, isso certamente provocará uma grande mudança geopolítica em toda a região”, prevê.
De qualquer modo, o panorama que surge aos poucos no mundo árabe aponta para algo novo, que vai além da visão ocidental sobre a região. Renatho, que recentemente passou dois meses no Irã, exemplifica com o que ouviu em conversa com aiatolás locais. “Discuti com alguns deles sobre as perspectivas que viam a partir das mudanças no Egito”, conta, “e eles se manifestaram de forma muito positiva. Para eles, o país pode passar por um processo semelhante (ao do Irã), integrando-se em uma comunidade islâmica. É uma visão diferente da nossa, que não tem o nosso olhar de integração pela ocidentalização”.



sexta-feira, 17 de junho de 2011

MAIS UMA PRIMAVERA HISTÓRICA, OS ÁRABES PLANTAM FLORES NOS DESERTOS


RESUMO
A partir do início do século XX a dominação dos povos árabes do norte da África e Oriente Médio intensificou-se. As potências passaram a controlar os países e financiar ditadores. Em 2010-11 várias revoltas surgiram nesses países, clamando por liberdade e democracia. O Ocidente foi colocado em xeque, pois deve aceitar a autodeterminação dos povos ou continuar preservando seus interesses geopolíticos na região?


PALAVRAS CHAVE:
Primavera Árabe; Revoluções; Ditadura


ABSTRACT:
From the begining of the twentieth century the domination of the Arab peoples of North Africa and the Middle East has been intensified. The Powers came to control these countries and support dictators. In 2010-11 several uprisings emerged in these countries, calling for freedom and democracy. The West was put in check; must it accept the self determination of the peoples or continue to preserve its geopolitical interests in the region?


KEY-WORDS:
Arab Spring; Revolutions, Dictatorship


Artigo completo disponível em: http://seer.ufrgs.br/ConjunturaAustral/article/view/19393

sexta-feira, 15 de abril de 2011

SÍRIA E LÍBIA: DUAS PEDRAS ÁRABES NO SAPATO DO OCIDENTE

Mundo, sexta-feira, 15 de abril de 2011


Igor Natusch


As potências ocidentais, acostumadas a intervir de forma nem sempre suave nos assuntos relativos ao mundo árabe, estão tendo que encarar duas questões bastantes espinhosas no tabuleiro político internacional. Além da intervenção na Líbia, que se arrasta há quase um mês sem apresentar sinais de solução, o Ocidente começa a dar sinais de especial preocupação com a situação de outro país árabe, a Síria. Aliado do Irã, país cuja simples menção provoca calafrios nos EUA, e famoso refúgio para líderes fundamentalistas, o novo personagem nesse cenário de revoltas populares tem potencial para criar sérias dores de cabeça aos países ocidentais, em um delicado xadrez que ainda deve render muitos lances imprevisíveis.

A Síria é governada desde 1971 pela família al-Assad. Nas últimas semanas, as ruas de várias cidades sírias foram tomadas por manifestações pedindo mudanças no regime, que está desde 2000 nas mãos de Bashar al-Assad. No momento, o governo da Síria fez apenas algumas vagas promessas de abertura, ao mesmo tempo que critica o “complô internacional” que estaria tentando derrubar o governo sírio.

O professor Renatho Costa, do curso de Política e Relações Internacionais da Unipampa, lembra que o governo da Síria está nas mãos de uma minoria alauita, quando a população do país é, em sua maioria, do grupo sunita. “Desde antes de Bashar al-Assad, o poder sempre foi mantido pela força, com a preocupação de desestimular qualquer movimento de oposição, mesmo que à custa de massacres”, descreve o professor.

A Síria era aliada da União Soviética durante os tempos de Guerra Fria, o que impedia intervenções mais concretas dos EUA e consolidou as atuais estruturas de poder no país árabe. A partir de 2005, com a pressão sobre a Síria para que desocupasse o Líbano, a posição do país foi enfraquecendo gradualmente. “Não existe tolerância internacional ao regime da Síria”, afirma Renatho Costa. Isso se soma, segundo o professor da Unipampa, à visão de muitos países ocidentais, que consideram a Síria uma “apoiadora do terrorismo”, na medida em que oferece asilo a líderes de grupos como o Hamas e o Hezbollah.

Antônio Jorge Ramalho da Rocha, do Instituto de Relações Internacionais da UnB, vê a questão de forma um pouco diferente. “A Síria é vista pelo Ocidente como tendo um papel estabilizador na geopolítica árabe, ainda que não necessariamente de forma positiva”, argumenta. “É um país que tem liderança na região, que exerce influência na questão da Palestina, na Jordânia, em movimentos como o Hamas, e que acaba influenciando na questão de Israel também. Qualquer mudança no regime sírio terá implicações em todos esses aspectos”, diz ele.

Alberto Pfeifer, professor e analista de Conjuntura Internacional da USP, identifica na Síria um quadro semelhante ao do Egito, com uma mobilização espontânea da população, sem líderes, ainda que com sinais claros de coordenação. “A impressão é de que a pressão não vai diminuir até que a mudança aconteça de fato, indo além de mudanças de alguns nomes do ministério”, diz Pfeifer.

Nesse sentido, segundo Alberto Pfeifer, a posição das forças armadas da Síria será decisiva para ditar os rumos da rebelião. No momento, a repressão aos revoltosos sírios está a cargo da polícia política, sem envolvimento direto dos militares. “No Egito, por exemplo, as forças armadas não atuaram em favor do governo, o que diminui sua margem de resistência”, explica o professor da USP. “O termômetro, no caso da Síria, é Damasco. Se a rebelião tomar conta das ruas da capital, vai ser difícil segurar sem uso da força. E aí será preciso ver que direção o exército vai tomar”.


Relação da Síria com Irã dificulta ação mais
firme do Ocidente


Na leitura de Renatho Costa, o governo sírio está sinalizando com negociações, na medida em que o uso da força não tem conseguido diminuir os protestos e a comunidade internacional deixa cada vez mais clara sua insatisfação com o regime de Bashar al-Assad. “Penso que talvez já seja tarde demais para isso, até porque é um regime que nunca foi visto como legítimo”, ressalva. O especialista acredita que a pressão internacional sobre Assad devem ganhar intensidade, no sentido de uma abertura política e de eleições livres, nas quais o atual governante e seus partidários estejam impedidos de concorrer. “Uma intervenção militar de países ocidentais me parece distante, mas a campanha contra o atual governo certamente deve se tornar bem mais intensa”, acredita Renatho.

Um sinal dessa pressão surgiu durante a semana, quando o governo dos EUA passou a manifestar insatisfação com uma eventual ajuda do Irã ao governo sírio. Segundo os norte-americanos, o governo de Mahmoud Ahmadinejad estaria apoiando, inclusive materialmente, a repressão estatal aos revoltosos que pedem a queda de Bashar al-Assad. “Se a Síria está pedindo ajuda ao Irã, não demonstra ter uma postura séria em relação a verdadeiras reformas”, criticou o porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Mark Toner.

“O interesse ocidental na manutenção do regime sírio depende da relação com Israel e Irã”, argumenta Alberto Pfeifer, da USP. Segundo o professor de Relações Internacionais, a ligação de Síria e Irã é notória, ao mesmo tempo que a postura com relação a Israel ajuda a manter “certo equilíbrio” no panorama geopolítico da região. “Síria mantém certa tensão contra Israel, mas não ataca diretamente. É uma postura menos indesejável, para os países ocidentais, do que uma hostilidade declarada aos israelenses”, afirma. Renatho Costa, da Unipampa, acrescenta que a ligação entre Síria e Irã surgiu especialmente devido às relações de ambos os países com a organização fundamentalista Hezbollah.

“A equação EUA x Irã é bastante complicada, e contamina de forma negativa todo o mundo árabe”, diz Antônio Jorge Ramalho da Rocha, da UnB. O professor lembra que a posição do Irã na geopolítica árabe fortaleceu-se nos últimos anos, “muito por políticas equivocadas do próprio governo norte-americano”. Para ele, é justamente essa relação difícil que inviabiliza uma intervenção ocidental mais firme na Síria, na medida em que a proximidade do regime de Bashar al-Assad com o Irã é indiscutível. “A Síria não está isolada no mundo árabe, como a Líbia, por exemplo. Todos (os países ocidentais) demonstram estar temerosos com as implicações de uma ação mais severa no país. Uma proposta de intervenção como a que foi aprovada contra (Muammar) Kadafi não passaria na ONU”, argumenta.


Alberto Pfeifer: “operação contra Kadafi é um fracasso”

Intervenção essa, aliás, que não parece estar conduzindo o conflito na Líbia a uma conclusão mais rápida. Próxima de completar um mês, a ação aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU não diminuiu sensivelmente os confrontos no país, e tampouco parece ter abalado decisivamente a posição de Muammar Kadafi à frente do regime.

A esse respeito, Alberto Pfeifer, da USP, é categórico. “Do ponto de vista militar, a operação é um fracasso”, dispara. “A Otan não consegue afastar do poder um ditador supostamente enfraquecido, que já não tem controle de metade do seu próprio território”. No aspecto político, a situação da coalizão também não é das melhores, segundo Pfeifer. “A ação já nasceu enfraquecida, sem o apoio de países importantes como Alemanha, Rússia e China”, explica o professor. A França teria interesse em ver suas empresas explorando o mercado de petróleo da Líbia, enquanto a Itália, um dos principais compradores da nação árabe, acaba se vendo forçada a adotar postura mais cautelosa. “É um jogo político e econômico bem complexo”, descreve Pfeifer.

Renatho Costa, professor da Unipampa, não usa termos tão enfáticos quanto os de Alberto Pfeifer. Segundo ele, ainda não dá para dizer que a iniciativa contra Kadafi tenha fracassado. “Não vislumbro um recuo, e sim um recrudescimento”, afirma. Para ele, o maior causador de indefinição na ação contra o governo líbio é a dificuldade de vislumbrar um consenso pós-Kadafi que permita um governo de transição. “Mesmo a legitimidade dos rebeldes de Benghazi, do ponto de vista político, é questionável”, afirma. “É um grupo que se formou para enfrentar um ditador, mas não parece que ele tenha consistência para apontar um nome de consenso, para unir a Líbia durante um período de transição”.

“Era uma faca de dois gumes”, comenta o professor da UnB Antônio Jorge Ramalho da Rocha. “Por um lado, era muito difícil para a ONU omitir-se, na medida em que estava clara uma situação de guerra civil e havia risco de uma matança no país. Por outro, Kadhaffi não é o tipo de líder que vá negociar sua permanência no poder, seja em que termos forem”. A ação contra Kadhaffi, em certo sentido, serviria até mesmo para fortalecer sua posição, na medida em que o ditador usa os bombardeios da coalizão como forma de galvanizar seus apoiadores e descaracterizar o esforço internacional como uma iniciativa buscando apenas o controle dos recursos minerais da Líbia.

Para o professor da UnB, a redação da resolução do Conselho de Segurança da ONU é muito aberta, o que também acaba fragilizando a ação internacional. “Os limites para o emprego da força não estão bem estabelecidos”, critica Rocha. É justamente essa ambiguidade que motivou a abstenção de alguns países na votação que autorizou a iniciativa, entre eles o Brasil. “Na linguagem diplomática, abster-se de votar é estar em desacordo com o que está sendo votado”, acentua o mestre em ciência política.


Tendência é de conflito longo na Líbia,
diz professor da UnB


“A margem de negociação diminui a cada dia”, diz Renatho Costa, que prevê uma intensificação da pressão internacional sobre a Líbia. Segundo o professor de Relações Internacionais da Unipampa, só deve haver uma saída negociada no momento em que as forças de Kadafi não tiverem mais capacidade de resistência, o que pode levar bastante tempo. “Kadafi tem uma perspectiva quase messiânica a respeito da própria posição, é muito difícil que ele aceite abandonar o poder”, comenta. “A partir de agora, resta aos países da Otan ou assumir militarmente uma intervenção, inclusive por terra, ou insistir no financiamento e treinamento dos rebeldes líbios. É uma decisão que está sendo tomada com cautela, até pela ameaça de represálias de grupos extremistas árabes. É um momento de estudo”, descreve Renatho Costa.

Para Alberto Pfeifer, as potências ocidentais perderam a chance de trabalhar um movimento de oposição dentro da Líbia. “Hoje em dia, não existe nenhum sinal de que possa surgir um grupo político capaz de assumir o poder. O Ocidente poderia ter dado subsídios para que uma oposição se consolidasse na Líbia, para que um grupo mais coeso surgisse e a partir dele houvesse uma derrubada de Kadafi. Isso não foi feito”, critica. Para ele, a solução do conflito não será nada fácil. “Fazendo as contas, talvez Kadafi chegue à conclusão de que o exílio é uma solução mais conveniente, mas isso não parece nem um pouco provável”, diz o analista.

Antônio Jorge Ramalho da Rocha acredita que a única possibilidade de uma saída negociada está não em Muammar Kadhaffi, e sim nas pessoas que o cercam. “Não apenas a própria família de Kadafi, mas várias outras famílias influentes no regime da Líbia, estão sofrendo sanções e tendo contas bloqueadas no exterior”, exemplifica. “Talvez aí possa surgir uma pressão capaz de fazer Kadafi balançar, mas mesmo esse não é um cenário provável”, admite Rocha.

Para o professor da UnB, a tendência acaba sendo de um conflito longo, com boas chances de sair do espaço aéreo líbio e estender-se por terra. Nesse panorama, a falta de um cenário político consolidado na Líbia fortalece a capacidade de resistência de Kadafi. “Nem mesmo entre os filhos dele há uma definição sobre qual seria o sucessor. Muammar Kadafi sempre trabalhou com essa ambiguidade”, garante Antônio Jorge Ramalho da Rocha. Mesmo na eventualidade de sua deposição, Kadafi pode continuar sendo uma pedra no sapato das mais desconfortáveis. “Na medida em que não seja capturado, ele pode perfeitamente ser acolhido pelas famílias que o apoiam e desaparecer”, especula Rocha. “E Kadafi já deu sinais claros de que não tem escrúpulos para fazer uso do terror”.

Disponível em: http://sul21.com.br/jornal/2011/04/siria-e-libia-duas-pedras-arabes-no-sapato-do-ocidente