terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

PROGRAMA FATO EM FOCO - RÁDIO CBN

Programa exibido dia 19 de fevereiro de 2011, das 21h00 às 21h30

O ORIENTE MÉDIO CONTINUA AGITADO NESTA SEMANA

Nessa semana, o jornalista Roberto Nonato entrevista os professores Cristina Pecequilo (UNIFESP) e Renatho Costa (UNIPAMPA) sobre os últimos acontecimentos no Oriente Médio. Na pauta, a revolução que levou à queda de Ben Ali (Tunísia) e Mubarak (Egito), além de os movimentos do Bahrein, Iêmem e Líbia. 

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A PARTIR DA TUNÍSIA E EGITO, PROTESTOS PODEM SE ALASTRAR PELO MUNDO ÁRABE



MUNDO, 04/02/11 / 21:19
Igor Natusch

Em janeiro, o povo tomou conta das ruas das principais ruas da Tunísia, recitando poemas do escritor Abul Qasim al-Shabi e exigindo a queda imediata do ditador Zine El Abidine Ben Ali. Entrando em fevereiro, temos a revolta popular que incendeia os corações do Egito, dizendo que setembro é longe demais e que Hosni Mubarak deve ir embora agora mesmo. As populações de outros países árabes, como Jordânia e Iêmen, já dão sinais de que não devem acompanhar os protestos de seus vizinhos apenas pelas emissoras estatais de televisão. Mais do que uma onda democrática, a sucessão de revoltas no Grande Oriente Médio lança um ponto de interrogação não apenas sobre o mundo árabe, mas sobre todo o panorama político-econômico mundial.

“É um dominó”, diz Samuel Feldberg, integrante do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (Gacint) da USP. Embora não atribua as revoltas na Tunísia e no Egito a movimentos pan-árabes, o cientista político frisa que a intensidade dos protestos acaba chamando a atenção de todo o mundo. “Temos todo um processo de insatisfação, gerado por governos autocráticos, que motiva essa revolta popular. O presidente do Egito (Hosni Mubarak) está no governo há 30 anos, e dava sinais de que poderia se recandidatar ou conduzir o seu filho ao governo. Essa falta de perspectivas de mudança acaba ajudando a fermentar dessa insatisfação”.

O professor Márcio Scalércio, da PUC-RJ, diz que “não é novidade” que os países árabes tenham fortes manifestações nas ruas. “É praticamente uma tradição árabe”, comenta, lembrando de movimentações semelhantes ocorridas na Argélia, Líbano e Palestina. No caso específico do Egito, as condições de vida da população, somadas a um regime brutal e antidemocrático, acabam potencializando a indignação popular. “Acho uma bobagem dizer que o Egito está em ditadura há 30 anos. Na verdade, desde a descolonização do país que temos uma sucessão de governos sem nenhuma preocupação democrática”, afirma.

Claudia Musa Fay, professora de história da PUCRS, lembra que tanto Tunísia quanto Egito vivem (ou viviam) em regimes ditatoriais, que não se mostravam mais capazes de atender as necessidades das populações sob seu jugo. “No Egito, a maior parte da população é jovem. São pessoas que enfrentam uma situação de desemprego, e que acabam se informando pela Internet a respeito do que acontece em outros lugares”, explica.

Como a União Europeia está fechando as fronteiras para os imigrantes, a principal alternativa para os jovens desses países foi muito dificultada. “São jovens sem perspectivas em seus países, que não podem emigrar, e mesmo que entrem na Europa vão ter dificuldade para conseguir emprego. É um caldeirão, com todos os ingredientes para uma revolta popular”, diz Musa Fay.

Revolta que, segundo Márcio Scalércio, vinha sendo mantida em uma “fornalha branda” pela atuação brutal da polícia política de Hosni Mubarak, com prisões sumárias e a generalização da violência e da tortura no país. Renatho Costa, professor de relações internacionais da Unipampa, em Santana do Livramento, reforça essa visão. “Como Tunísia e Egito eram aliados do Ocidente, ninguém dava tanta atenção ao que acontecia nesses regimes”, afirma. “Agora, com esses levantes, começou a ficar mais claro esse caráter de violência e repressão”.

IRMANDADE MUÇULMANA PODE CHEGAR AO GOVERNO
Independente da postura de tempos idos, agora a comunidade internacional tem manifestado crescente preocupação com os rumos políticos do Egito — reflexo provável da incerteza que a mudança de regime trará para o cenário geopolítico da região. A organização mais forte da oposição a Mubarak, a Irmandade Muçulmana, desperta discussões sobre um possível caráter fundamentalista de um novo governo do país árabe. Além disso, líderes religiosos da Tunísia, que estavam exilados, durante o regime de Ben Ali, retornaram em meio à festa popular. Considerando exemplos como o do Irã, que derrubou o xá Reza Pahlavi e acabou sobre o jugo fundamentalista do aiatolá Ruhollah Khomeini, surgem temores de que algo semelhante possa ocorrem em outros países da região, apenas substituindo um regime autoritário por outro, de caráter religioso.

Renatho Costa, da Unipampa, não acha que seja “exatamente esse” o mote das manifestações que tomam conta do Egito e da Tunísia. Para ele, trata-se de uma reação inevitável a um governo altamente repressivo e desligado das necessidades de seu povo. Porém, o professor não descarta que essa luta por um novo governo sofra algum “desvio”, semelhante ao caso iraniano. “Se a Irmandade Muçulmana conseguir se tornar uma espécie de porta-voz, se alcançar os anseios mais imediatos da população, é algo que pode acontecer”, admite. E lembra que o grupo político-religioso foi muito perseguido no Egito nas últimas décadas, tornando-se quase um “paradigma” do modelo repressivo adotado por Hosni Mubarak.

Márcio Scalércio, historiador da PUC-Rio, ressalta que a Irmandade Muçulmana não é um partido político propriamente dito, e sim uma organização multifária, que promove uma série de ações religiosas e sociais. Embora sua estrutura seja semelhante ao grupo militante Hezbollah, do Líbano, a Irmandade Muçulmana alega ter abandonado há muitos anos o uso de meios violentos para atingir seus objetivos. Segundo Scalércio, trata-se de um grupo forte, que está apostando na queda de Hosni Mubarak para ter mais espaço em um futuro governo. Mas acredita que as ambições da Irmandade, na medida em que se mantenham dentro do jogo político, são legítimas. “Da mesma forma que, no Brasil, aceitamos que grupos católicos ou evangélicos tenham candidatos nas eleições, organizações muçulmanas têm direito a buscar representação política em países árabes”.

Claudia Musa Fay, da PUCRS, lembra que o Irã tinha um diferencial importante: a presença de uma forte liderança religiosa, “quase um messias”, na figura do aiatolá Khomeini. O Egito e a Tunísia, por sua vez, não têm líderes muçulmanos de destaque semelhante. Mas concorda que existe um temor, entre as grandes potências ocidentais, de que haja um eventual fortalecimento de regimes de dominação islâmica. “Bem ou mal, os Estados Unidos conseguem conversar com o regime de Mubarak. Um novo governo pode significar uma mudança, e os EUA não quer mudança, porque o equilíbrio que conquistaram (na região) é muito precário. Qualquer pecinha fora do lugar e o tabuleiro pode desmontar”.

RELAÇÃO COM ISRAEL PODE SER MAIS OSTIL
Samuel Feldberg, por sua vez, compara a situação do Oriente Médio com a dos países que foram libertados do jugo nazista, durante a Segunda Guerra Mundial. Esses países, em sua maioria, acabaram pendendo para o socialismo, já que os partidos comunistas eram os mais consolidados em cada um deles. No caso do Egito, com a Irmandade Muçulmana, o cientista da USP acha possível que algo semelhante aconteça. “A queda do atual regime deve gerar um vácuo de poder, no qual o partido pode ganhar ascendência”, admite Feldberg.

Para ele, o Egito tem importância estratégica para os grandes países ocidentais, em especial os EUA, não apenas por ser um interlocutor, mas também por ter relação amistosa com Israel. “Se um eventual novo governo egípcio se mostrar hostil a Israel, isso vai gerar uma crise estratégica”, argumenta Feldberg. O cientista político lembra que, nesse caso, todos os países conservadores do Oriente Médio estariam cercados por Irã e Egito, nações que estariam posicionadas contra Israel. “Seria uma catástrofe geopolítica”, adverte.

Renatho Costa, da Unipampa, concorda. E lembra que o Egito ficou “mal visto” pelos países vizinhos ao travar negociações com Israel. Isso motivou inclusive o assassinato do antecessor de Hosni Mubarak, Anwar Al Sadat, em 1981, por membros egípcios do grupo Jihad Islâmica. “Para os vizinhos, é uma relação espúria. Politicamente, o Egito teve benefícios, mas Mubarak nunca foi bem-vindo nos demais países da região. Se o novo regime egípcio acabar sendo de linha islâmica, essa relação com Israel deve sofrer um recrudescimento”, adverte.

PROTESTOS EM OUTROS PAÍSES ÁRABES
Além de Egito e Tunísia, outros países árabes começam a testemunhar demonstrações de revolta popular. O Iêmen, um dos países mais pobres do mundo árabe, teve protestos em suas principais cidades, Áden e Sanaa, exigindo a renúncia do presidente Ali Abdullah Saleh, no poder há quase 32 anos. Para tentar controlar a revolta, Saleh garantiu que “não haverá governo hereditário nem presidência vitalícia” no Iêmen, prometendo que não buscará reeleição. Além disso, prometeu ampliar o registro de novos eleitores e promover eleições diretas para os governos provincianos e locais.

A Jordânia também vivencia manifestações contra o atual regime, liderado por Samir Rifai, pedindo medidas imediatas para controlar a inflação e a pobreza. A Argélia, que vive em estado de emergência desde 1992, teve protestos simultâneos em várias das maiores cidades do país, exigindo o controle de preços, especialmente de alimentos. Sinalizando a preocupação crescente dos regimes árabes, o governante da Líbia, Muamar Khadafi, declarou apoio ao tunisiano Ben Ali e disse que, agora, “a Tunísia vive com medo”. No poder há mais de 40 anos, Khadafi é o líder árabe que está há mais tempo à frente de seu país. Embora a repressão seja dura na Líbia, há relatos de protestos na cidade de al-Bayda.

Segundo alguns dos analistas que conversaram com o Sul21, o temor dos principais governos ocidentais — em especial os EUA — é de perder importantes interlocutores em uma área fundamental para a economia mundial. Isso justificaria não apenas os muitos anos de tolerância com governantes autocráticos, mas também o posicionamento pouco firme adotado, até o momento, quanto à possível abertura desses regimes. Se os protestos tomarem conta de mais países árabes, o precário equilíbrio da região pode desmoronar, causando mudanças dramáticas no panorama político-econômico mundial.

SITUAÇÃO NA REGIÃO É INCERTA
“Para os EUA, não dá nem para imaginar perder o diálogo com a Arábia Saudita, por exemplo”, diz a historiadora da PUCRS. Caso as revoltas populares cheguem ao principal produtor de petróleo do Oriente Médio, uma nova recessão econômica mundial pode ser inevitável. “Nesse sentido, o mundo já tem crises demais. Nem mesmo os países árabes querem isso”, afirma Claudia Musa Fay. Para ela, a tendência é que os governos locais adotem uma postura mais conciliadora, promovendo algumas aberturas políticas, para tentar evitar que os protestos, que já se verificam em alguns países árabes, tomem uma dimensão maior.

“Até o último domingo (30), os EUA pareciam acreditar que Mubarak cairia. Já estavam, de certa forma, preparando a transição”, defende Márcio Scalércio. Agora, segundo o professor da PUC-Rio, a situação é bem mais incerta. “O Egito é uma peça muito importante e bem localizada no tabuleiro da região. Os mesmos países que toleraram regimes pavorosos como os do Egito e da Tunísia, agora temem um governo mais autônomo (no Egito), porque a repercussão regional será muito grande”.

Ainda segundo Scalércio, o movimento simbolizado pelos recentes protestos “já está acontecendo, é uma realidade”. Mas a multiplicidade existente no Oriente Médio dificulta previsões mais concretas sobre novos desdobramentos. “Países produtores de petróleo, como a Arábia Saudita, podem investir em políticas sociais que abafam a insatisfação popular. Acho que a possibilidade de uma grande revolta popular na Arábia Saudita é mais remota”, diz o professor. “Em países como Marrocos, Líbia e Argélia, é algo bem mais possível”.

“Falar em ‘onda’ é um pouco prematuro”, opina Renatho Costa. De qualquer modo, o professor da Unipampa acredita que os governos despóticos terão que se reestruturar para tentar algum tipo de permanência no poder. “A Tunísia, por exemplo, propôs eleições livres em 4 anos! As pessoas não querem isso, a população exige mudanças imediatas. Os governos (dos países árabes) terão que ceder, abraçando projetos sociais e econômicos, de repente até promovendo alguma espécie de abertura política. Talvez, assim, consigam evitar que esse processo se expanda”.

Disponível em: www.sul21.com.br