domingo, 11 de setembro de 2011

DEZ ANOS DEPOIS, O MUNDO SEGUE BRINCANDO DE 11 DE SETEMBRO


Mundo, 11 de setembro de 2011


Renatho Costa

Certa vez, fui buscar minha filha, então com cinco anos, na escola e a vi brincando com suas amigas de algo que não fazia parte das brincadeiras de infância que conhecia. Fiquei tomado pela curiosidade e fui perguntar-lhe do que se tratava. Quando a indaguei, disse-me que estava brincando de “11 de setembro”. Duas meninas ficavam paradas, outra vinha correndo e chocava-se com elas… Na sequência, iam todas para o chão, levantando-se em seguida para novo round. Por meio dessa brincadeira, minha filha traduziu de modo tão objetivo e simplificado o que fora o 11 de setembro que logo percebi a magnitude que o evento iria alcançar, pois esse potencial estava fortemente relacionado à facilidade narrativa e interpretativa dos fatos.
Dez anos se passaram desde o atentado e o 11/9 continua mais vivo do que nunca. De certo modo, sua repercussão através da mídia fez com que os eventos se perpetuassem. Seja onde for, a grande maioria das pessoas sabe o que ocorreu nos EUA naquele fatídico dia. Podem até divergir quanto aos responsáveis pelos atentados, ou mesmo a intenção dos perpetradores da ação, mas sabem que duas torres deixaram de existir naquele dia. A imagem das torres ruindo “ao vivo” é um elemento muito forte e marcante, por isso mesmo dotado de grande representatividade. Em certos aspectos, a difusão foi tão intensa que até banalizou-se ou serviu para atender aos interesses de determinados grupos políticos no poder – como os neocons que encontravam-se à frente do governo estadunidense em 2001. No entanto, depois de tantos anos, uma questão se impõe: quem foi ao chão com a queda das duas torres nova-iorquinas?

Uma pergunta no ar

Por mais que os EUA tendam a difundir a imagem das torres ruindo para fortalecer sua legitimidade de ação, não é possível entender o 11 setembro olhando apenas para Manhattan, tampouco ouvindo depoimentos dos cidadãos norte-americanos que tiveram parentes vitimados no WTC. Temos, da mesma forma, de ampliar nosso campo visual e focar a atenção no Oriente Médio. Temos de analisar o reflexo das ações programadas pelo ex-presidente George W. Bush na busca de sua vingança, a qual, em muitos aspectos, lembra a ação de Golda Meir contra os agentes que praticaram o atentando contra a delegação israelense  durante as olimpíadas de Munique, em 1972.

Meir precisava mostrar ao mundo, e a sua própria população, que Israel não se fragilizaria diante de ato tão violento, e mais, que o país teria condições de vingar-se dos perpetradores do sequestro praticado contra seus nacionais. De modo análogo, mas em dimensão mundial, como requer a ação de uma potência, Bush viu-se diante do mesmo dilema: partir para o ataque sem ter certeza da dimensão de seus atos, ou esperar e correr o risco de perder a confiança de seus nacionais e dos demais países que o percebem como potência hegemônica?

Bush e Meir partiram para o ataque. A diferença é que Meir tinha um inimigo claro e objetivo, o que fez com que suas ações contra os membros da organização palestina Setembro Negro fossem mais efetivas. Em contrapartida, Bush necessitou “criar” um inimigo para implementar sua ação. Meir estava envolta pelo sentimento de vingança e agiu a partir da simples lógica do revide, fato esse que veio a agravar o relacionamento com os palestinos. Bush construiu uma Doutrina para legitimar seus atos e, como consequência inicial, envolveu praticamente toda a nação muçulmana no rol dos culpados pelo 11 de setembro.

Não se pode dizer que a dificuldade de negociação entre Israel e palestinos esteja ligada exclusivamente à ação de Golda Meir contra o Setembro Negro, até porque tivemos alguns processos de paz que se iniciaram posteriormente ao governo da ex-primeira ministra e que naufragaram por outras razões. Entretanto, é inegável que a estratégia implementada por Meir em nada contribuiu para resolver a “Questão Palestina” e configurou-se num simples ato de revide, tendo em vista que os palestinos continuaram a programar ações contra Israel. A opressão que viviam na Cisjordânia e Faixa de Gaza configurava-se em elemento suficientemente capaz de motivá-los à ação. Assim, a morte dos membros do Setembro Negro não inibiu a ação palestina.

Bush, por sua vez, direcionou a vingança para o longínquo Afeganistão. Para tanto, pautou sua ação pelo princípio da “Guerra Preventiva” e conseguiu o aval da ONU para legitimar seu ato de revide contra a al-Qaeda (elencada a “inimigo nº 1” do mundo). Com isso, passou a existir um inimigo claro contra quem lutar, um território onde ele se refugiava e os “apoiadores do terrorismo” (talibã) que davam suporte à organização islamista (ou fundamentalista islâmica, como é mais comumente classificada) responsabilizada pelo ataque. Essa construção estava detalhava nas Resoluções do Conselho de Segurança da ONU. Com isso, Bush teria a tranquilidade suficiente para agir, ainda que sem a certeza de vitória.

Nesses dez anos de “guerra ao terror” ainda foi possível implementar mais uma ação contra o Iraque em 2003. Novamente, um estado “patrocinador do terrorismo” foi vítima de intervenção. A Doutrina Bush alcançava seu ápice. Nem mesmo as falsas alegações que subsidiaram a invasão ao Iraque (que o país possuiria armas de destruição em massa) foram suficientes para abalar a atuação dos EUA no Oriente Médio. No entanto, apesar da ação predadora dos EUA junto aos países muçulmanos, será que é possível entendê-la como uma vitória? De certo modo, o enfraquecimento político dos Republicanos demonstrou que os EUA poderiam estar equivocados na estratégia do presidente Bush e a eleição de Barack Obama poderia apontar para uma nova etapa para a reconstrução dos equívocos de seu antecessor.

Dez anos depois, enquanto se ergue uma nova torre em Manhattan para demonstrar que os EUA não sucumbiram frente à al-Qaeda, as transformações políticas no Oriente Médio e norte da África demonstram que os EUA se equivocaram em sua política externa.

De fato, Obama assumiu a presidência norte-americana como uma grande promessa e logo tentou corrigir os equívocos anteriores. O Oriente Médio não deixou de ser a preocupação da nova administração, contudo, a perspectiva era outra. O próprio discurso de Obama na cidade do Cairo (intitulado “A New Beginning”) apontou para um novo relacionamento entre Ocidente e o “mundo muçulmano”. Porém, nem tudo que foi exposto no Cairo se tornou realidade e, ainda que a promessa de retirar as tropas do Iraque e Afeganistão venha sendo cumprida gradualmente, a intervenção política na região não dá sinais de que chegará ao fim.

A nova velha história

A reestruturação do Iraque e Afeganistão a partir de pressupostos “democráticos” não é suficiente para determinar sua independência. Os governos eleitos dependem política e economicamente do Ocidente e o nível de corrupção nesses “governos eleitos” não apresenta grandes expectativas para a população. Em muitos momentos, durante a intervenção no Afeganistão, claramente a população local deixou de acreditar no governo eleito e passou a apoiar os grupos insurgentes. O modelo de ação político-militar proposta para o Afeganistão não conseguiu surtir os efeitos desejados. Nem mesmo a morte de Bin Laden, em maio desse ano, guarda grande representatividade para a ação ocidental no Afeganistão, pois não se configura numa vitória. Hoje, não consegue nem mesmo traduzir o efeito de vingança proposto por Bush.

Significativamente, o antiamericanismo continua sendo um sentimento muito forte junto às comunidades muçulmanas do mundo. Apesar de Obama tentar reconstruir a imagem dos EUA no Oriente Médio, o efeito da presença de tropas em países islâmicos não coaduna com sua proposta. Assim, gradualmente os movimentos islamistas ganham espaço para surgirem como resposta à situação atual na região.

Agregada a essa insatisfação, a recessão econômica mundial trouxe uma pressão extra aos governantes muçulmanos e o resultado configurou-se na “Primavera Árabe”. Dessa vez, os EUA assistiram reticentes aos primeiros movimentos desse levante, sem tomarem posição. Entretanto, tal tem sido a magnitude do evento que não houve como furtar-se a um posicionamento. Nesse caso, o engajamento à queda dos antigos ditadores acabou sendo obrigatório ao presidente Obama e aos demais países do Ocidente.

Enfim, temos dez anos de transformações intensas no Oriente Médio e que ainda não cessaram. Partimos de uma política extremamente agressiva do governo Bush para outra mais conciliadora de Obama. Tivemos uma perseguição a Bin Laden, como no velho estilo western, para sanar a sede de vingança de George W. Bush, que culminou com uma ação questionável no Paquistão, onde o líder da al-Qaeda foi assassinado por tropas especiais dos EUA. De Washington, Obama assistia tudo “ao vivo”.

Caiu Bin Laden e o egípcio Ayman al-Zawahiri assumiu o a liderança da al-Qaeda; a instabilidade política do Afeganistão e Iraque perduram; os países que iniciaram seus levantes contra governos ditatoriais no norte da África e Oriente Médio não apresentam simpatia pelos EUA e, numa perspectiva mais pragmática, até aceitam o apoio de forças estrangeiras para fazerem seus levantes (como os líbios tiveram da OTAN), mas não querem abrir mão de constituírem um governo autônomo.

Nesse sentido, o risco aumenta para os EUA, pois a perspectiva islamista pode apresentar-se como uma real força para a reestruturação do Estado nesses países. Egito e Tunísia ainda vivenciam o processo de transição que supostamente os levariam à democracia, contudo, as dificuldades têm sido um obstáculo de difícil transposição. Outros estados do Oriente Médio ainda estão em processo de ebulição, como Síria e Bahrein, e os EUA podem significar o elemento decisivo para que haja a mudança ou a manutenção dos regimes em questão. Mas outra intervenção norte-americana poderá trazer efeitos ainda mais graves para a economia nacional, tendo em vista que o custo para a manutenção das tropas no Iraque e Afeganistão já é objeto de intensa crítica dentro dos EUA.

Epílogo?

No fim das contas, como responder a questão proposta nessa análise, ou seja, quem de fato “caiu” com as torres gêmeas. Na verdade, o que é possível depreender desse questionamento é que os EUA conseguiram construir um forte elemento propagandístico para sustentar um modelo de política externa que os interessava. Os atentados de 11 de setembro, independentemente da fragilidade das teorias conspiratórias, serviram para que os EUA recrudescessem o modelo de segurança internacional e conseguissem legitimidade, inclusive, para violar o conceito fundamental que constitui o sistema internacional, qual seja, de soberania do estado.

O 11 de setembro não foi mais violento, por exemplo, que o bombardeio à Hiroshima e Nagasaki (no final da Segunda Guerra Mundial), tampouco suas consequência imediatas e posteriores (mortes por radiação que continuaram por gerações). Mas, ao contrário do que ocorreu em 1945, em 2001 a transmissão “ao vivo” pelas redes de televisão do mundo, agregado à assimilação do conceito de “choque de civilizações” cunhado por Huntington, instrumentalizou Bush a construir sua vingança.

Dez anos depois, enquanto se ergue uma nova torre em Manhattan para demonstrar que os EUA não sucumbiram frente à al-Qaeda, as transformações políticas no Oriente Médio e norte da África demonstram que os EUA se equivocaram em sua política externa. A intervenção em países muçulmanos e o apoio aos antigos ditadores não foi suficiente para manter a região sob seu domínio. Hoje, a troca de lado por parte dos governantes norte-americanos somente os desmoraliza frente à população muçulmana local.

Assim, do mesmo modo que não podemos afirmar que a al-Qaeda ruiu com a morte de Bin Laden, tampouco que tenha obtido ganhos substanciais com os atentados de 11 de setembro, também não é possível afirmar que os EUA tenham sido felizes com as intervenções no mundo muçulmano. Se, conforme alguns analistas internacionais apontam, a ação estadunidense fora pautada por interesses econômicos, a recessão mundial não conspirou a seu favor, pois as crises da primeira década desse século abalaram substancialmente a economia dos EUA.

Desse modo, entre mortos e feridos, o 11 de setembro representa a vulnerabilidade dos EUA, mas também sua capacidade hollywoodiana de construir uma propaganda ao seu favor. Se não temos um knockout após o 11 de setembro, também não temos vencedores. Cabe às partes envolvidas, então, continuarem narrando suas histórias, de forma a encontrar seguidores e admiradores. A nós, resta ficarmos atentos às brincadeiras infantis, para verificarmos se elas nos trazem novos elementos para uma melhor compreensão dos eventos do sistema internacional.

Disponível em: http://sul21.com.br/jornal/2011/09/dez-anos-depois-o-mundo-segue-brincando-de-11-de-setembro/