terça-feira, 6 de dezembro de 2011

PARA ESPECIALISTAS, ATAQUES TENTAM ENFRAQUECER GOVERNO AFEGÃO

06/12/2011 - 17h00 | O Globo

Sem autoria reivindicada, atentados têm provável motivação sectária

RIO - Os ataques durante a festa xiita da Ashura, no Afeganistão, que já deixaram pelo menos 63 mortos, mostram um país que continua dividido e que não está estabilizado, mesmo com a decisão americana de retirar suas tropas do território afegão. A ação pode ter como objetivo enfraquecer o governo do presidente Hamid Karzai, acreditam especialistas. Eles também veem uma separação sectária como motivação dos atentados. Nenhum grupo reivindicou a autoria dos ataques até agora.

- O Afeganistão está em guerra há 30 anos e coisas terríveis aconteceram, mas uma das coisas que os afegãos têm sido poupados é o que parece ter sido esse tipo de ataque, muito sectário - disse Kate Clark, da Rede de Analistas do Afeganistão à agência de notícias Reuters.

O país tem um histórico de tensão e violência entre sunitas e a maioria xiita, mas desde a queda do Talibã, em 2001, viu cair o número de ataques em grande escala com motivação religiosa, ações que ainda perturbam o vizinho Paquistão.

Francisco Carlos Teixeira da Silva, professor de História contemporânea da UFRJ, também vê no sectarismo a provável motivação das ações desta terça-feira:

- Os ataques de hoje (terça-feira) foram feitos para manter a divisão no país e provocar uma guerra civil. Os seguidores do salafismo e do wahhabismo são os sunitas mais radicais e fundamentalistas e podem estar envolvidos. Existe hoje um grande engodo de que o Afeganistão está pacificado. Os Estados Unidos estão maquiando a situação no país para se retirar com honra, para fingir que ganharam a guerra. Se o objetivo era matar o Bin Laden, podem até ter ganhado. Mas se o objetivo era acabar com a rede de terroristas que existe lá, os EUA não ganharam essa guerra.

Apesar de o Ministério do Interior do Afeganistão culpar o Talibã e "terroristas" pelos ataques, o Talibã condenou as explosões, atribuídas a um inimigo não identificado.

- Fomos informados com muita tristeza de que houve explosões em Cabul e Mazar-i-Sharif, onde pessoas foram mortas pela atividade desumana e anti-islâmica do inimigo - escreveu o porta-voz do grupo, Zabihullah Mujahid, em uma nota no site do Talibã.

Mesmo com a negação, a analista Kate Clark não descarta o envolvimento Talibã:

- Ainda não sabemos quem plantou a bomba e é perigoso tirar conclusões precipitadas, mas se foi o Talibã, isso é algo realmente sério, perigoso e muito preocupante.

O local do ataque em Cabul instantes após a explosão em frente a um santuário - Reuters

Ataque surpreendeu xiitas durante importante celebração
Já Kamran Bokhari, da empresa de inteligência Stratfor, dos Estados Unidos, enxerga uma estratégia da al-Qaeda para desestabilizar as medidas de pacificação do governo.


- É muito raro, se não o primeiro (ataque) deste tipo, e me parece ser o trabalho de elementos aliados da al-Qaeda, que gostariam de interromper qualquer processo de reconciliação entre o Talibã e o governo - afirmou Bokhari à Reuters.

Para Renato José da Costa, professor de Relações Internacionais da Unipampa, no Rio Grande do Sul, muitos aspectos da ação ainda não estão claros e é difícil apontar uma provável causa. Entretanto, ele também enxerga o enfraquecimento do governo de Hamid Karzai como possível motivação para os ataques.

- Há muitos anos não acontecia esse tipo de ação sectária. Não exergo uma organização que pudesse ter planejado os atentados. Pode ser uma dissidência dentro de sunitas do Afeganistão, o que seria até algo esperado - afirma. - Mas essa ação teria que ter sido fomentada por alguém. A intenção parece ter sido desestabilizar o presidente Karzai ou levar o Irã a se manifestar a favor dos xiitas.

 
Agora, afirma, tão importante quanto descobrir a motivação dos atentados é ser preparar para suas consequências, que tendem a reacender a luta sectária no país.

- O desdobramento pode ser preocupante, pois os xiitas vão se sentir ofendidos e agredidos pelo ataque em uma de suas datas mais importantes. Tenho dúvidas se o governo vai conseguir achar o culpado - conclui Costa.