sábado, 22 de dezembro de 2012

A ESTRANHA LÓGICA ILÓGICA DA ONU COM ISRAEL: O "SIM" DO MUNDO QUE NÃO SIGNIFICA "SIM"



Sul21 - Mundo - 22 de dezembro de 2012




Em Porto Alegre, o Fórum Mundial Palestina Livre ocorreu no mesmo período em que se decidia status dos palestinos na ONU | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Renatho Costa *
Especial para Sul21
Em 28 de novembro de 1947, a Assembleia Geral da ONU reuniu-se em sessão presidida pelo brasileiro Osvaldo Aranha para deliberar, através da Resolução 181, sobre o Plano de Partilha da Palestina. Em tese, o mundo – através da recém criada Organização das Nações Unidades, sucessora da falida Liga das Nações – atribuía aos estados membros resolver um problema que havia sido agravado pelo Sistema de Mandatos imposto à região do Oriente Médio após a I Guerra Mundial. A Grã-Bretanha, mandatária da região da Palestina, já vivenciando fortes atritos com grupos paramilitares locais, se eximia completamente de qualquer responsabilidade pela tensão criada e esperava que o ato da ONU trouxesse a paz – pelo menos como havia no período do Império Otomano – para a Palestina. É certo que a perspectiva democrática da ONU se impôs sobre a vontade de todos os países árabes que estavam presentes à histórica sessão, haja vista eles terem se posicionado absolutamente contrários à proposta que viria a ser vencedora. Naquela ocasião, o “sim” da maioria significou “sim” para a “criação de dois estados”, um indício de que o ideal para a ONU não necessariamente se configurava no ideal para os árabes. A Palestina foi dividida – porém, não conforme a resolução 181 impôs.
Os acontecimentos posteriores à resolução 181 são lembrados constantemente e a tão almejada solução para a “Questão Palestina” nunca se configurou em realidade. A proposta de criação de dois estados na região – uma árabe e outro judeu – transformou-se em letra morta, uma vez que após a guerra de 1948, apenas um estado emergiu: Israel. Com o tempo, as possibilidades para que o segundo estado palestino viesse a existir foram escasseando, devido à desfiguração de um território viável.
Depois de 65 anos, no mesmo 28 de novembro, é levada à Assembleia Geral da ONU a proposta de alteração do status dos palestinos junto àquela instituição, de “entidade observadora”, para “Estado observador não-membro”. Em 2011, os palestinos já tinham tido negado, pelo Conselho de Segurança da ONU, o direito de integrar a instituição como “membros permanentes”. Com isso, o líder da Autoridade Palestina Mahmoud Abbas entendia que a sessão de 2012 seria a última chance para que a comunidade internacional expusesse seu real interesse em colocar um fim no conflito com Israel. Para tanto, precisaria que a ONU, com a mudança de status dos palestinos, fornecesse a “certidão de nascimento” para a Palestina. Com 138 votos favoráveis à proposta, 41 abstenções e 9 contrários, o “sim” da instituição que representa os valores universais das nações, não se configura, necessariamente, em um “sim” para a criação do Estado Palestino. E esta é, justamente, a questão.

Em sessão histórica em outubro, ONU aceitou Palestina como estado observador não membro com 138 votos favoráveis | Foto: UN Photo / Eskinder Debebe
Dentre os nove estados que negaram o direito de a Palestina ter sua “certidão de nascimento”, estão Estados Unidos e Israel. Mas qual seria o problema em criar um estado palestino se até mesmo o presidente Obama expressou seu entendimento neste sentido? Que risco haveria para Israel com o surgimento de um estado palestino, já que deixaria de tê-los sob “sua responsabilidade”?
Parte da resposta a essas perguntas foi dada no dia seguinte à votação na ONU, quando o Estado de Israel mostrou para o mundo que continuará com sua política de ampliação dos assentamentos sobre o território palestino. Inclusive, uma mesquita foi destruída e essas imagens viajaram o mundo através de noticiários. Com isso, configura-se que o Estado de Israel não tem interesse que surja um estado palestino na região, pois Eretz Yisrael não estaria delimitada ao que a ONU determinou em 1947, tampouco à configuração pré-1967, como muitos simpatizantes da criação de “dois estados” defendem.
Por mais que as instituições internacionais se mobilizem na busca por uma solução para a questão palestina, isso somente se configurará em algo fático se ocorrer uma de duas possibilidades. Primeiramente, é preciso que os israelenses queiram uma solução que também atenda aos interesses palestinos. E historicamente se nota que, seja qual for o partido político que governe Israel, a política de ampliação de território nunca deixou de existir. Assim, dificilmente haverá uma conjuntura política no próximo pleito eleitoral que eleja algum grupo comprometido com a mudança deste “projeto israelense”. O sistema político israelense possui algumas peculiaridades e, para um partido manter a estabilidade e governar, é necessário fazer alianças. Assim, certos grupos conservadores – inclusive com poder para colocar Avignor Lieberman como Ministro das Relações Exteriores – funcionam como “fiéis da balança” e não estão dispostos a atender resoluções da ONU que versem contra seus princípios e interesses.

No dia seguinte à votação na ONU, Israel anunciou intenção de ampliar assentamentos em território palestino | Foto: Al Jazeera English / Flickr
Em segundo lugar, é providencial salientar que historicamente o Estado de Israel goza de salvo conduto para não respeitar decisões da ONU. Exemplo máximo disso está no fato de que permaneceu em território libanês por mais de dezoito anos, ocupando aproximadamente 10% daquela região, e, mesmo com inúmeras resoluções da ONU exigindo sua saída, lá esteve até 2000, quando o Hezbollah desferiu uma forte ação que o levou a deixar o país. Quem referenda a atuação de Israel são os Estados Unidos, devido, dentre outros aspectos, à necessidade de manter sua influência na região do Oriente Médio. Desse modo, qualquer tipo de mudança perpassa pelo governo estadunidense.
Então, o que poderia ser alterado com o novo status dos palestinos no sistema internacional? Na verdade, essa alteração pode gerar maior tensão sobre os Estados Unidos, pois, de certo modo, coloca em xeque a própria legitimidade da indistinta defesa dos atos israelenses, uma vez que os estadunidenses terão de se afastar da retórica de “defesa de valores e legalidade” para acastelar os interesses de Israel. Tendo como base a preocupação geopolítica estadunidense com a região, dificilmente haverá uma ruptura entre os dois países. Mas a aliança poderá ficar desgastada se o próximo primeiro-ministro israelense nortear suas ações pelo modelo de governo de Netanyahu.
Benjamin Netanyahu
Governo de Benjamin Netanyahu tem insistido que apenas negociações diretas entre Palestina e Israel podem levar à paz | Foto: Remy Steinegger / World Economic Forum
Hoje, o Estado de Israel, sob a alegação de “preservação de sua segurança”, controla todas as fronteiras da Faixa de Gaza – exceto a terrestre, pelo Egito – e Cisjordânia. A possível criação de um estado palestino tornaria essa ação inadmissível diante do Direito Internacional, no qual a soberania territorial é algo inviolável. Então, não há interesse na criação deste estado. Também, a ingerência sob os aspectos econômico-comerciais palestinos deixaria de existir. E o mais complicado, haveria a necessidade de estabelecer fronteiras para ambos os países e discutir o status dos árabes que vivem em Israel. Nenhuma destas questões está na pauta de interesses dos governantes israelenses.
Desse modo, enquanto o Estado de Israel age como se a ONU não tivesse se pronunciado acerca do status palestino, Hamas e Fatah buscam aproveitar esse momento para demonstrar afinidades. Inicialmente o Hamas não demonstrou tanto interesse pela mudança de status dos palestinos, contudo, Khaled Meshaal, sua liderança, acabou entendendo que novas possibilidades de atuação dos palestinos no cenário internacional se abririam com esta alteração. Principalmente a possibilidade de questionar a atuação do Estado de Israel frente ao Tribunal Penal Internacional (TPI), seja pela atuação nos assentamentos da Cisjordânia ou mesmo pelas ações militares contra os habitantes de Gaza – como as que ocorreram em 2008/2009 e 2012.
Mesmo que a situação no Oriente Médio não esteja tão confortável para o Estado de Israel como anteriormente, ainda é muito cedo afirmar que ocorrerão alterações substanciais na região, pelo menos no que diz respeito à criação de um Estado Palestino. Isso porque o processo que viabilizaria a criação deste novo estado perpassaria por sua delimitação territorial e, apesar de Obama inovar em seu discurso defendendo que sejam estabelecidas com base nas fronteiras de 1967, dificilmente suas ações ultrapassarão o campo da retórica. Até porque, conforme Mearsheimer ressalta, o lobby israelense nos EUA não deixaria que isso acontecesse. Lembrando ainda que, se a Autoridade Nacional Palestina (ANP) persistir em ações que visem deslegitimar a atuação de Israel no sistema internacional, os recursos financeiros estadunidenses poderão deixar de auxiliar a organização, fato esse que poderá fazer com que Abbas seja deposto e surja outra liderança mais alinhada aos interesses estadunidenses, ou seja, propensa a “negociar com Israel” a criação de um estado Palestino.
O posicionamento acerca de como os EUA e Israel querem que a situação permaneça ficou muito claro no pronunciamento da Secretária de Estado estadunidense, Hillary Clinton, quando afirmou que “Temos [talvez, apenas EUA e Israel] claro que apenas por meio de negociações diretas entre as partes de palestinos e israelenses [repetindo o discurso de Netanyahu] podem alcançar a paz que ambos merecem: dois Estados para dois povos com uma Palestina soberana viável e independente, vivendo lado a lado em paz e segurança com um Israel judeu e democrático” .

Ações da Autoridade Palestina podem levar a corte de recursos, o que dificultaria permanência de Mahmoud Abbas | Foto: UN Photo / Rick Bajornas
É fato que a mudança de status dos palestinos trouxe força para que a “Questão Palestina” voltasse à Agenda Internacional dos EUA, algo que havia sido abafado pela dita Primavera Árabe, pela Guerra da Síria”, a eleição da Irmandade Muçulmana no Egito, além dos problemas já convencionais da pauta como o “Irã Nuclear” e a Guerra no Afeganistão. De certo modo, o desdobramento destas questões também tem implicações no futuro do Estado Palestino, pois o Estado de Israel poderá potencializar ou reduzir sua função no Oriente Médio, fato esse que guarda relação muito próxima com a atuação estadunidense. Então, a força e empenho internacional para a criação de um futuro Estado Palestino, inclusive com apoio de importantesplayers, como Rússia e China, está relacionado às alterações que o Oriente Médio sofrerá nesses momentos posteriores.
Por fim, cabe ressaltar o estranhamento frente à reação da “criatura” ao seu “criador”. A ONU, que deu vida ao Estado de Israel a partir de uma proposta do Movimento Sionista, agora tem a legitimidade de suas ações questionada pelo primeiro-ministro israelense Netanyahu, quando afirma que “a única forma de conquistar a paz é por meio de negociações diretas sem condições prévias e não com uma declaração unilateral da ONU que não leva em consideração os imperativos de segurança de Israel”. E complementou: “a paz será alcançada apenas com acordos aceitos em Jerusalém [não utiliza Tel Aviv] e Ramallah, e não por uma decisão da ONU” . Por certo, se Netanyahu – ou membros do Movimento Sionista – proferisse esse discurso na sessão de 28 de novembro de 1947, talvez a história tivesse sido outra.
* Renatho Costa é professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) e especialista em Oriente Médio. Blog: www.rcacademico.blogspot.com E-Mail:renathocosta@unipampa.edu.br
Fonte: http://www.sul21.com.br/jornal/2012/12/a-estranha-logica-ilogica-da-onu-com-israel-o-sim-do-mundo-nao-significa-sim/ 

sábado, 13 de outubro de 2012

"PODE-SE DISCUTIR SE NA REELEIÇÃO DE CHÁVEZ HOUVE PLENA DEMOCRACIA, MAS O SISTEMA DA VENEZUELA RATIFICOU TODO O PROCESSO"


Na última segunda-feira, 08 de outubro de 2012, foi confirmada a reeleição do presidente venezuelano, Hugo Chávez. Depois de ter superado um longo processo de luta contra o câncer, decidiu concorrer à reeleição no intuito de continuar o processo de estabelecimento da "Revolução Bolivariana".

No poder, desde 1999, Chávez já passou por situações extremamente difíceis na presidência, desde promulgação de uma nova constituição para o país, referendo e tentativa de golpe. Mas, para esse novo mandato, as dificuldades são outras, uma vez que o processo democrático sedimenta-se cada vez mais.

Apesar da vitória de Chávez, o candidato Henrique Capriles reforçou, em seu discurso de reconhecimento da derrota, que o cenário político na Venezuela é outro e que Chávez terá de governar para todos os venezuelanos, inclusive para os 44,9% que foram contra sua reeleição. Com isso, a Venezuela entra em outro momento de sua história e Chávez terá de fazer alterações em seu programa de governo para que gere estabilidade.

Sobre essas questões, conversei com a jornalista Cristina Coghi na última segunda-feira, 08/10. Abaixo segue o link com o áudio da entrevista.

"OS IRANIANOS NÃO SÃO CONTRA OS JUDEUS", DIZ ESPECIALISTA EM ORIENTE MÉDIO

Por: Illgner Geovanne
13 de outubro de 2012 às 12:15 pm | Postado em: EntrevistasNotícias



O Irã é retratado pelos EUA e Israel como uma nação perigosa e inimiga da paz no Oriente Médio, assim como são classificados outros países da região. Apesar dos iranianos insistirem que o seu programa nuclear é para fins pacíficos, os norte-americanos e israelenses acreditam que o país está próximo de desenvolver uma bomba atômica.

Os EUA e seus aliados estão certos ou não?
Para tratar das questões que envolvem o Irã, o IAnotícia conversou com o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), Renatho Costa. O especialista em Oriente Médio e terrorismo esteve no país persa entrevistando aiatolás, professores e parlamentares.
(IAnotícia) – Os EUA e Israel tem motivos para acreditar que o Irã está construindo uma bomba nuclear?
(Renatho Costa) – Se considerarmos apenas os aspectos técnico-científicos, é provável que o processo de enriquecimento de urânio possa viabilizar-se no futuro (e aqui a especulação temporal também se configura em parte da estratégia que visa atender outros pressupostos, e não estão ligados diretamente a uma análise sobre o desenvolvimento científico) em tecnologia suficiente para a produção de armas nucleares. Tudo depende do interesse de quem desenvolve esta tecnologia e das condições pelas quais este país é submetido. É conveniente para EUA e Israel adotarem a política do “risco Irã”, pois, com isso, tentam construir o entendimento de que o Irã está desenvolvendo a tecnologia nuclear para alcançar a produção de armas e iniciar uma guerra. Historicamente, o desenvolvimento desta tecnologia somente tem sido utilizado para mudar o status quo [situação atual] de quem a detém, no sistema internacional, nunca para desencadear uma guerra (exceção feita aos EUA que utilizaram armas nucleares no final da Segunda Guerra, contra o Japão). Até porque, é notório o conhecimento de que os possíveis adversários de um suposto “Irã nuclear” também detenham a tecnologia e não hesitariam em contra-atacar utilizando armamentos muito superiores. Com isso, saliento que o “motivo para acreditar” guarda maior relação com o perigo de mudança geopolítica na região do Oriente Médio do que risco real de um futuro ataque iraniano.
(IA) - Como o programa nuclear iraniano é tratado internamente? Existe algum tipo de 
propaganda que essa tecnologia será positiva para a população, como o governo brasileiro faz sobre o pré-sal?
(RC) – Existe propaganda nesse sentido, sim. Mas até onde pude perceber, ela é tratada de duas maneiras, ou seja, primeiramente enfatiza-se a necessidade do desenvolvimento desta tecnologia para fins pacíficos, pois o país tem problemas com a geração de energia. Fora o petróleo, não há outra forma de produção, e, nesse sentido, a energia nuclear seria uma saída interessante para o desenvolvimento do país. Ainda, como os embargos econômicos impedem que o Irã tenha acesso a muitos produtos internacionais, há a necessidade de que ali sejam criadas condições para sua produção, e, para tanto, muitas vezes a tecnologia nuclear é um requisito básico. Então, há a propagação de que o Ocidente não pode interferir ainda mais no desenvolvimento do Irã. Todas as dificuldades que o país vivencia no momento têm origem nas restrições que são impostas internacionalmente, contudo, mesmo assim, ainda é perceptível o desenvolvimento do país (até, em alguns aspectos, reforçando os preceitos religiosos xiitas), por isso o governo iraniano vincula o desenvolvimento da tecnologia nuclear à própria preservação da soberania do país. Não se trata, para o governo, de uma intervenção (dos EUA) que vise “a segurança regional”, mas, sim, uma ação contra o desenvolvimento do país. E a grande maioria da população iraniana reage positivamente ao clamor do governo, pois acaba entendendo como uma questão de manutenção de sua soberania. Não pude perceber, tampouco li qualquer documento (oficial ou através de jornais, revistas, etc.) que sugerisse que o governo iraniano tenha interesse em desenvolver armamentos nucleares. Se há a intenção, e não posso descartá-la, uma vez que pode ser tratada dentro de outras instâncias de governo, não é trazida à população para buscar endosso.
(IA) – Israel considera o Irã como uma ameaça, e os iranianos, como veem os israelenses?
(RC) – O Irã não reconhece a legitimidade de o Estado de Israel existir nas circunstâncias em que foi criado. Isso, frequentemente é propagado pelo presidente Ahmadinejad e pude constatar junto às pessoas que tive a oportunidade de entrevistar (alguns aiatolás, professores, parlamentares, etc.). O grande questionamento acerca do Estado de Israel é que ele foi criado a partir da expropriação de um povo (palestino) e que esse ato foi resultado da política do Ocidente de enfraquecer os muçulmanos. Além de os xiitas considerarem de suma importância a região da Palestina para todos os muçulmanos. Mas é importante salientar que os iranianos não são contra os judeus, a crítica feita à criação do Estado de Israel é focada nos sionistas, que, para os iranianos, foram os grandes responsáveis pela violência ocorrida na Palestina no início do século passado e, nos dias de hoje, para a preservação de um modelo de estado que restringe os direitos dos palestinos.
(IA) – A grande mídia passa uma imagem de que os árabes e persas são antiamericanos e terroristas. Como os iranianos consideram os EUA?
(RC) – Existem pontos de vistas distintos sobre a atuação dos EUA, principalmente oriundo da capital do país, Teerã, no entanto, a visão do governo e da grande maioria da população é de que os EUA são um agente desestabilizador da região e, em muitos casos, utilizam a tática terrorista para impor seus interesses. Muito constantemente os EUA são tratados como um país que pratica o “terrorismo de estado”, e, para justificar essa argumentação, lançam mão de inúmeros exemplos de atuação dos EUA na política interna de países do Oriente Médio para satisfazer seus interesses. O próprio Irã foi vítima da ação dos EUA em 1953, quando a CIA elaborou o golpe que depôs o primeiro-ministro Mossadegh e preservou o xá no poder. Sobre esse evento e o posterior apoio que os EUA deram ao governo ditatorial do xá, há repercussão negativa ainda nos dias de hoje. Constantemente os EUA são acusados de atacarem o Islã, tendo em vista sua atuação pontual em países como o Egito, Líbano, Iraque, Afeganistão, além do apoio à Arábia Saudita e Bahrein (em ambos os países há ditaduras sunitas, muito severas aos xiitas). Ainda há uma crítica muito severa quanto à atuação dos EUA no intuito de fragilizar a cultura xiita iraniana através do patrocínio de redes de TV e rádios que produzem programas em farsi [língua persa] que são transmitidos, via satélite, para o Irã. Muitas dessas emissoras de rádio e TV estão instaladas nos EUA e produzem programas “ocidentais” para serem consumidos pelos iranianos. Sob o ponto de vista de alguns iranianos, isso se configura numa tentativa espúria de destruir uma cultura local. Essa questão é mais complexa e ainda estou desenvolvendo algumas pesquisas nesse sentido, mas, de fato, há inúmeras emissoras criadas que não poderiam sobreviver sem auxílio financeiro de algum estado ou instituição que vise exclusivamente enfraquecer o governo iraniano, uma vez que toda a produção é voltada para um país e nada é comercializado nesses veículos. Sob a perspectiva do Mercado, é muito difícil imaginar quem poderia investir num produto que não apresenta qualquer retorno financeiro para seu investidor. Isso é o que ocorre com essas emissoras. 
(IA) – Na sua opinião, seria legítimo os iranianos se armarem com uma bomba nuclear para aumentar a defesa contra os avanços norte-americanos no Oriente Médio?
(RC) – Entendo que seja altamente questionável o modelo que permite que alguns estados detenham essa tecnologia e outros não. O processo que levou a esse modelo subentendia a criação de compensações para que determinado estado abrisse mão de trilhar seu caminho no intuito de desenvolver armamentos nucleares e, consequentemente, “ceder o direito de se defender em iguais condições”. Hoje, o Irã é um país excluído economicamente, contudo, assinou o tratado de não proliferação de armas nucleares e constantemente ratifica seu posicionamento. Contudo, digamos que ele quisesse romper com esse tratado e passasse a desenvolver armamentos nucleares, entendo que seria questionável a imposição de sansões. Até porque, como mencionei anteriormente, Paquistão, Índia, China, Rússia e Israel possuem armamentos nucleares e fazem parte da mesma região. A obrigação do Estado é proporcionar segurança para seus nacionais e o Irã está entre alguns estados hostis e outros que poderiam assim se transformar, caso houvesse uma mudança de conjuntura, assim, é muito complicado impor a um país a obrigação de não desenvolver armas nucleares quando o Estado de Israel, que sequer é signatário do tratado de não proliferação de armas nucleares, possui incalculáveis ogivas nucleares. Israel cobra um procedimento por parte do Irã, contudo, atua de modo completamente contrário. Ainda, dentro da lógica de um sistema internacional anárquico, não é possível afirmar que um estado seja mais confiável que outro, pois todos atuam a partir de perspectivas pragmáticas.
(IA) – As últimas informações divulgadas sobre o Irã mostram que o país enfrenta um grave problema econômico, devido as sanções aplicadas pelos EUA e Europa. Protestos em massa já começaram a ocorrer. O Irã pode sofrer uma revolução e o governo de Ahmadinejad pode ser derrubado?
(RC) – Existem movimentos contra o posicionamento do presidente Ahmadinejad, mas seu governo já está no final do mandato, então o grande questionamento que se faz é quem será seu sucessor e se manterá essa política de enfrentamento ao Ocidente. Lembrando que o ex-presidente Khotami tentou iniciar um processo de “diálogo entre civilizações”, mas não conseguiu avançar, devido às restrições impostas pelo Líder Supremo, aiatolá Khamenei. Mas sobre essa questão, tive a oportunidade de entrevistar o aiatolá Hodavi, no ano passado, e o questionei sobre o porquê de o “diálogo entre civilizações” ter sido interrompido, e a resposta dele foi clara e objetiva: “Não somos contra o diálogo, apenas não queremos que seja um monólogo entre civilizações”. Para Hodavi, o processo imposto pelos EUA e Ocidente (de um modo geral é como tratam seus adversários) visa impor uma agenda ao Irã e suprimir sua liberdade. Por essa razão que dificilmente grupos minoritários que visem uma maior aproximação entre Irã e Ocidente conseguirão ganhar espaço na política iraniana. Qualquer que seja o próximo presidente, não entendo que seja possível uma aproximação imediata, até porque o poder político-militar está concentrado nas mãos dos aiatolás e não tem razão para cedê-lo neste momento.
(IA) – Informações de veículos de imprensa como a CNN e Reuters indicam que o Irã está ajudando o governo sírio de Bashar al-Assad na guerra contra os rebeldes. Qual seria o interesse do Irã nesse auxilio?
(RC) – Para responder essa questão temos de nos reportar à situação geopolítica do Oriente Médio. A partir do início da década de 1980 houve o surgimento do Hezbollah (grupo xiita) no Líbano. Foi um período em que o país vivenciava uma guerra civil (1975-1990) fratricida que ainda contava com a participação da OLP (Organização para a Libertação da Palestina), Israel, ONU, Síria e inúmeras milícias dentro do conflito. Nesse cenário completamente caótico, o alinhamento pragmático entre Síria e Irã acabou surgindo para preservar a influência de ambos no Líbano. Por um lado, o Hezbollah (por serem xiitas, tinham como líder religioso o aitolá Khomeini, líder supremo da Revolução Iraniana) recebia apoio material do Irã através da Síria e a esta também se beneficiava das ações da organização libanesa, principalmente na luta contra o Estado de Israel. Posteriormente, com o final da guerra civil libanesa, a Síria estreitou ainda mais seu relacionamento com o Irã, pois o isolamento dos iranianos no sistema internacional trazia poucas portas para o país continuar atuando. Em contrapartida, o Irã passou a apoiar institucionalmente o governo de Assad e fornecer suporte militar. Ambos têm Israel e EUA como inimigos e, nesse sentido, uma aliança programática foi construída e vem sendo mantida. Se, de um lado os “rebeldes sírios” são patrocinados por vários países do Ocidente, por outro, o Irã continua a apoiar a Síria porque a substituição de Assad por qualquer outro governante que esteja alinhado aos EUA alterará a geopolítica local e deixará o Irã ainda mais isolado. Essa é uma relação fundamentada em interesses políticos recíprocos, uma vez que não fazem parte do mesmo grupo religioso, pois Assad é alauíta e os iranianos, xiitas. O Irã tentou criar condições para que o governo de Assad fosse transmitido para algum sucessor que preservasse as relações com o Irã, no entanto, a situação não permitiu e o conflito teve início. Por razões semelhantes, Rússia e China não tem interesse em autorizar o uso da força contra a Síria, uma vez que o governo de Assad representa um antagonista de peso contra EUA e Israel no cenário do Oriente Médio.
Renatho Costa
Professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Pampa (Unipampa)
Especialista em Oriente Médio e Terrorismo
E-mail: renathocosta@unipampa.edu.br
Blog: www.rcacademico.blogspot.com
Twitter: @renathocosta
IAnotícia

terça-feira, 3 de julho de 2012

LANÇAMENTO DO LIVRO "FRONTEIRAS EM MOVIMENTO"

O Grupo de Pesquisa INTEGRAÇÃO E CONFLITOS NAS ZONAS DE FRONTEIRAS, formado por Professores e Professoras da Universidade Federal do Pampa, e, vinculado ao CNPq, lança o livro FRONTEIRAS EM MOVIMENTOS pelo Paco Editorial.



Onde reside a fronteira? Apesar de esse termo ser muito comumente utilizado em sua acepção geográfica, Fronteira não se limita a separar um território de outro, muitas vezes, inclusive, pode ter o sentido contrário. No intuito de abranger as múltiplas possibilidades que o conceito de Fronteira pode assumir, o Grupo de Pesquisa “Integração e Conflitos em Regiões de Fronteira”, vinculado à Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), apresenta sua coletânea de artigos que procura problematizar essa questão. Abordagens das mais díspares, como a fronteira entre a legalidade e a atuação do crime organizado, ou mesmo a fronteira entre o desenvolvimento e o subdesenvolvimento da região do pampa, encontram-se nessa coletânea. Ainda, a geopolítica de Mackinder é revisitada para entender a importância e as tensões na Ásia central, ao mesmo tempo em que a fronteira entre as religiões é objeto de análise, haja vista a importância que o tema assumiu a partir do “choque de civilizações”. O continente africano também não é esquecido nessa abordagem sobre a Fronteira, para tanto, a política internacional acaba sendo um parâmetro para analisar a barreira criada entre a África e os demais continentes. Sobre a região do pampa são propostas análises que versam sobre as cidades gêmeas Santana do Livramento-Rivera, também, sobre o sentimento nacional na região, o meio-ambiente, o desenvolvimento econômico e a visão muito particular da mídia local. Abordagens que, muitas vezes, extrapolam suas fronteiras e tendem a se integrar para alcançar seu entendimento.

Artigos
I - FRONTEIRAS, SIGNIFICADOS E VALOR
Autor: Fábio Régio Bento

II - ERA UMA VEZ NA FRONTEIRA: O MITO DA ZONA "FORA DA LEI"?
Autor: Renatho Costa

III - CIDADANIA FRONTEIRIÇA: DAS CONCEPÇÕES MODERNAS À CIDADANIA CONSTITUÍDA NA FRONTEIRA ENTRE BRASIL E URUGUAI
Autoras: Daniela Vanila Nakalski Benetti e Nícia Pereira de Araujo

IV - POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NA FRONTEIRA BRASIL-URUGUAI
Autores: Gleicy Denise Vasques Moreira Santos e Rodrigo Alexandre Benetti

V - IDENTIDADE E INTEGRAÇÃO NA FRONTEIRA: UM ESTUDO SOBRE A COMUNIDADE ÁRABE-PALESTINA DOS MUNICÍPIOS DE SANTANA DO LIVRAMENTO E RIVERA
Autores: Anna Carletti e Ricardo Lopes Kotz

VI - JORNAIS DE FRONTEIRAS E SUAS RETÓRICAS BILÍNGUES NO RIO GRANDE DO SUL: MÍDIA IMPRESSA A SERVIÇO DO LEITOR
Autor: Geder Parzianello

VII - A NAÇÃO NAS FRONTEIRAS LONGÍNQUAS: SENTIMENTO NACIONAL DOS PAMPAS AO LAVRADO
Autor: Victor Hugo Veppo Burgardt

VIII - TERRITÓRIO DE FRONTEIRA, DESENVOLVIMENTO E AMBIENTE: O PROJETO URB-AL PAMPA
Autores: Ana Monteiro Costa e Guilherme F. W. Radomsky

IX - LIMITES E FRONTEIRAS NA ÁFRICA: IDENTIDADES, HISTÓRIAS E POLÍTICA INTERNACIONAL
Autores: Kamilla Raquel Rizzi e Rafael Balardin

X - FRONTEIRAS DO HEARTLAND CLÁSSICO E PERCEPÇÕES DE SEGURANÇA: GOVERNANÇA INTERESTATAL COOPERATIVA NA ÁSIA CENTRAL
Autor: Flávio Augusto Lira Nascimento

XI - FRONTEIRAS ENTRE AS RELIGIÕES – RELAÇÕES INTERNACIONAIS E RELIGIÕES, E O CASO ESPECÍFICO DO MOVIMENTO DOS FOCOLARES COMO MOVIMENTO DE FRONTEIRAS
Autores: Anna Carletti e Fábio Régio Bento


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sábado, 11 de fevereiro de 2012

TRANSIÇÃO PARA A DEMOCRACIA EM PAÍSES ÁRABES PODE ESBARRAR NO EXÉRCITO




24 de janeiro de 2012 | 17h 41


Para especialistas ouvidos pelo 'estadão.com.br', forças armadas poderão tentar resistir no poder

Bruna Ribeiro, do estadão.com.br

SÃO PAULO - As imagens do corpo do ditador Muamar Kadafi, carregado como um troféu pelos insurgentes na Líbia, transmitiram o sentimento de vitória e alívio do povo. O mesmo aconteceu com a queda de Hosni Mubarak, do Egito, e Zine al-Abidine Ben Ali, da Tunísia. O que é um grande mistério, depois de muita luta, é o caminho que cada país tomará para a construção da democracia. Começa aí uma nova batalha.
Veja também:



mais imagens OLHAR SOBRE O MUNDO: Imagens da revolução


O coordenador da Faculdade de Relações Internacionais da FMU, Manuel Nabais da Furriela, explica que o processo de transição varia de país para país. No Brasil, após a ditadura militar, ela foi organizada pelos próprios militares. Mas o problema de formação de partidos políticos atrapalha o processo democrático no Oriente Médio. "Você tem alguns grupos mais ou menos organizados, mas chegar a partidos políticos é um grande desafio para a sociedade". Por isso, para Furriela, deve-se levar em conta a peculiaridade cultural da região, que torna a transição diferente. "Outro aspecto é que a visão deles do que é democracia não é necessariamente a ocidental", disse.
A ausência de instituições democráticas é apontada pelo professor de pós-graduação em Política e Relações Internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp), Renatho Costa, como um dos maiores complicadores da transição democrática nos países que protagonizaram a Primavera Árabe. "Nas ditaduras, por muito tempo, se podou todas as formas de manifestações da sociedade. Nesse momento de reconstruir as instituições, fica o receio de até que ponto os militares querem também deixar o poder", disse Costa.
Segundo o professor, no Egito, a Irmandade Muçulmana tem se manifestado contra esse processo. "Eles veem com desconfiança se os militares criarão um órgão para conduzir esse processo de transição que trabalhará acima dos poderes do primeiro-ministro ou presidente".
Segundo Furriela, os militares, nos países árabes em geral, são uma das poucas forças organizadas na sociedade. "Com a ausência de representações, você acaba partindo para aquelas organizações que não são políticas, mas são organizações institucionalizadas", disse. "Elas são organizadas e têm uma liderança, o que favorece que elas se instalem no poder e ajudem a reorganizar o país".
Quem poderia ajudar?
O departamento interno da ONU chamado Conselho de Tutela poderia ajudar os Estados em questões mais emergenciais, de acordo com o professor da FMU. "Ou simplesmente tentar ajudar a organizar as eleições, como fórum de entendimento entre os grupos políticos que estão se formando, por meio de um instrumento de diálogos com esses grupos do Exército, principalmente das forças armadas, que se estruturaram politicamente", disse. Mas, para ele, tal papel não tem sido colocado em prática. "Seria o ideal".
Já a participação da Otan nesse processo de transição democrática parece questionável. Furriela explica que a organização atlântica favoreceu na derrubada de Kadafi, ao se colocar contra o regime totalitário líbio, mas não ajudará na construção da democracia. "Não acredito que uma organização militar será a grande solucionadora dos problemas ali".
Costa concorda que este não seria um procedimento padrão da Otan. "Mas uma vez que ela atuou, como na Líbia, não existe possibilidade de abandonar o país de uma vez. Ela vai continuar dando suporte ao grupo que apoiou", concluiu. Esse suporte seria na intenção de colaborar para que o país não entre em uma guerra civil interna, mas não propriamente na construção da democracia.
Para o professor, a comunidade internacional também pode pensar em maneiras para fortalecer a economia, melhorar as condições de vida e criar programas para dar suporte aos países.

TENSÃO POLÍTICA ENTRE XIITAS E SUNITAS NO IRAQUE MATA 75 PESSOAS EM UM ÚNICO DIA


Quinta-feira, 05 de janeiro de 2012

Programa JORNAL DA CBN - 2ª EDIÇÃO

O jornalista Roberto Nonato entrevista o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) sobre os atentatos ocorridos no Iraque.

PRIMAVERA ÁRABE SOB A PERSPECTIVA DA REVOLUÇÃO IRANIANA


Mundo, 27 de dezembro de 2011

Renatho Costa
Especial para o Sul21

Nesse ano de 2011, os países árabes do norte da África e Oriente Médio estiveram sob o foco de analistas internacionais e, por conseguinte, a dita Primavera Árabefoi “desvendada” a partir de vários aspectos. Contudo, dificilmente essa série de manifestações poderá ser entendida considerando apenas uma variável. O fato motriz dos acontecimentos tem suas peculiaridades em cada Estado, ainda que exista uma raiz econômica, política e social que permeia todos esses países e que encontrou nesses movimentos uma forma de vazão.
Assim, ao analisarmos os efeitos da Primavera Árabe, um ano após o início dos primeiros movimentos populares na Tunísia, duas questões muito simples se impõem. Primeiro, será que os “revolucionários” conseguiram alcançar o resultado que pretendiam? E em segundo lugar, será que a queda dos governantes da Tunísia, Líbia e Egito, além da promessa de o presidente ieminita de deixar o cargo em fevereiro de 2012, podem ser considerados elementos significativos para a mudança de trajetória dos países dessa região?
O brotar da primavera
A partir desses questionamentos, é possível entender que o ato do jovem tunisiano, Mohammed Bouazizi, de atear fogo em seu corpo como sinal de repúdio à corrupção instalada no país não foi apenas o indicativo de que a Tunísia deveria simplesmente rever sua estrutura político-administrativa, mas sim de que o modelo que vinha excluindo grande parte da sociedade há décadas estava estrangulado e não suportaria por muito mais tempo. Com isso, o que Bouazizi fez foi semear o árido solo árabe com o desejo de romper com as amarras do modelo ditatorial de governo que estava instaurado no país desde 1956, ocasião em que ocorreu sua independência da Itália. Mas seu ato não estava fundamentado numa perspectiva marxista ou mesmo ancorado em ambições democráticas neoliberais — foi, simplesmente, a válvula de escape de um modelo de exploração do território africano que estava ligado aos interesses de uma pequena elite local e pautava-se pela lógica da economia mundial.
Assim, como a grande maioria dos países que vivenciou o processo de descolonização, aqueles do norte da África não fogem à regra, ou seja, a idealização da independência como um processo libertário e que proporcionaria soberania e real autonomia nunca chegou a ocorrer de fato devido à relação muito próxima às potências ocidentais. E, se considerarmos os tão aclamados valores democráticos, mais ainda estaremos longe da realidade vivenciada por países como a Tunísia. Ali, a partir de 1959, Habib Bourguiba se transformou em presidente vitalício e somente veio a ser substituído por Zine El Abidine Ben Ali, que permaneceu no cargo até o início de 2011.
Para a manutenção de Ben Ali no poder houve a necessidade de criar um sistema amplo, em que se privilegiava a corrupção e a repressão, além da supressão de manifestações populares. Nesse sentido, enquanto Túnis se configurava no paraíso para os turistas europeus em férias e possuía toda a infra-estrutura necessária para atendê-los, o restante do país carecia de elementos básicos para a subsistência.
A menção à Túnis como paraíso é importante porque, do mesmo modo que Ben Ali seccionou o país e mostrava aos estrangeiros apenas o que eles queriam ver, os governantes europeus, que mantinham relações próximas com o ditador tunisiano, tinham pouco ou nenhum interesse no modus operandi que Ben Ali utilizava para preservar-se no poder. No que tange à ausência de democracia na Tunísia, esse era um tema que nunca entrava na agenda dos líderes europeus e mesmo dos Estados Unidos.
Mesmo diante desse “esquecimento” por parte do mundo, a situação interna no país tornou-se insustentável e as revoltas levaram à queda de Ben Ali. Por ser a primeira etapa da Primavera Árabe, o sistema de comunicação – através da internet – entre os manifestantes não chegou a ser o fator preponderante para que se alcançasse a queda do ditador. O elemento surpresa foi o diferencial. Mas e depois?
Antes de continuarmos trilhando o caminho tunisiano, cabe trazermos para a análise os demais atores que participaram dessa primeira etapa da Primavera. Após a queda de Ben Ali os ventos sopraram na direção de vários países árabes. O Egito foi o primeiro a sucumbir diante das manifestações populares. Hosni Mubarak, que governava o país desde 1981, além de atuar de forma semelhante a Ben Ali, no que tange à repressão contra a população e à passividade frente à corrupção instalada, ainda exercia um papel chave na manutenção da geopolítica local.
O Egito, desde a assinatura do acordo de paz com o Estado de Israel (1979) tornou-se o grande aliado dos Estados Unidos na região, e o governo estadunidense passou a investir milhões de dólares no país e, por conseguinte, na manutenção do sistema corrupto instaurado por Mubarak. Novamente, o Ocidente não tinha interesse em aprofundar seu olhar sobre o modelo de governo egípcio, tampouco ouvir as vozes dos dissidentes que deixavam o país por não conseguirem manifestar-se democraticamente.
Na etapa egípcia de mobilização popular, é possível perceber que a utilização de redes sociais na internet foi fundamental para que os eventos obtivessem sucesso. No entanto, o Ocidente ainda mantinha-se reticente com relação à forte retaliação que ocorria por parte dos correligionários de Mubarak, apesar de as imagens da repressão correrem o mundo pelos canais virtuais da internet e mesmo diante das lentes da Al-Jazeera. A perspectiva geopolítica prevalecia a qualquer outro interesse democrático, humanitário, etc.
Mesmo assim, com a população mantendo-se mobilizada na Praça Tahrir e com a perda de apoio dos militares, Mubarak optou por deixar o país mesmo sem construir arranjos para garantir a sucessão ao seu filho. Caiu Mubarak, mas e depois?
O florescer da primavera
Com a queda de Mubarak, os ventos sopraram com mais força ainda na direção de outros estados do Oriente Médio — e a Líbia acabou ganhando ênfase nesse processo porque Muammar Kadafi sempre foi um líder que inspirara cuidados por parte do Ocidente. Assim, quando movimentos insurgentes iniciaram suas atividades na Líbia e Kadafi os suprimiu, a resposta do Ocidente foi criar condições para que a OTAN pudesse intervir no conflito e patrocinar os “rebeldes”. Legitimava-se a ajuda humanitária suprimindo uma liderança árabe considerada problemática para os Estados Unidos e aliados europeus. E, como prêmio de consolação, obtém-se o controle de toda a riqueza mineral líbia… pelo menos essa era a intenção dos patrocinadores da queda de Kadafi. Mas e depois?
O processo de alastramento da Primavera Árabe, depois de ter conseguido derrubar um ditador como Kadafi, que encontrava-se no poder desde 1969, parecia que seria avassalador e nada mais poderia impedi-lo. No entanto, encontrou na Síria uma barreira um tanto mais complicada de ser transposta, exatamente pelos arranjos geopolíticos da região.
A Síria consegue manter certa autonomia porque fora aliada da União Soviética durante a Guerra Fria (1947-1981) e posteriormente preservou seus laços com a Rússia. Além disso, com a aproximação ao Irã pós-Revolução Iraniana, passou a ser um ator fortalecido, devido à capacidade de articular-se ao Hezbollah – organização libanesa, considerada terrorista por vários países ocidentais, mas reconhecido como partido político no Líbano e apoiado pelo Irã na luta contra o Estado de Israel – e Hamas – organização palestina, também considerada terrorista pela grande maioria dos países ocidentais.
Na Síria, ao contrário do caso da Líbia, há uma grande dificuldade de utilização da OTAN. Isso porque Kadafi era uma liderança desarticulada da comunidade árabe. Sua importância foi considerável durante a década de 1970 e 1980, quando utilizou as riquezas de seu país para patrocinar ações da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e mesmo a criação do Hezbollah. Contudo, sua perseguição aos grupos fundamentalista na Líbia fez com que perdesse parte desse apoio. Assim, Kadafi isolou-se, enquanto as articulações de Assad e a importância da Síria no mundo árabe cresceram. A deposição de Kadafi, apesar de trazer suspeitas por parte de outros regimes ditatoriais da região de que o mesmo possa acontecer em seus países, não levou a objeções incisivas.
Assim, mesmo diante da forte repressão que os opositores ao governo de Assad vêm sofrendo, dificilmente a OTAN conseguirá intervir no país. E os embargos impostos ao país acabam não alcançando o resultado esperado porque há o suporte de Rússia, China e Irã, que suprem algumas necessidades da Síria.
Assad, de certa forma, ainda consegue manter uma base de apoio em seu país e no exterior, pois a perspectiva de derrubada do ditador também sinalizaria para uma intervenção estrangeira – direta ou indiretamente – no país, o que acaba não sendo interessante para a população síria. Desse modo, para entender porque Assad ainda permanecerá no poder para fazer a transição é preciso levar em conta o fato de o governante sírio estar conseguindo preservar o apoio de parte das Forças Armadas – elemento significativo para analisar a razão pela qual Ben Ali e Mubarak foram depostos – e também devido à fórmula de intervenção utilizada na Líbia e que em nada atenderia os interesses dos sírios. Agrega-se a isso o risco de ali ser empregado o mesmo modelo de intervenção adotado contra o Iraque. Por outro lado, porém, Assad ainda não conseguiu criar as condições necessárias para fazer a transição que possa preservar seu status quo e acalmar a oposição. Com isso, cria-se um grande imbróglio.
“Primavera Árabe” e “Revolução Islâmica Iraniana”
A partir da breve exposição proposta nessa análise, é possível perceber que o movimento revolucionário – surgido basicamente entre jovens árabes – conseguiu derrubar alguns ditadores e colocar outros em xeque. Ainda, outros países do Oriente Médio que vivenciam esse movimento tiveram a flexibilização de seus regimes ou iniciaram o processo de transição política, como no caso do Iêmen. No entanto, no que tange às questões formuladas durante o transcorrer dessa análise, caberia a utilização da Revolução Islâmica no Irã como parâmetro para entender as possibilidades de sucesso dos países que vivem o momento de transição, principalmente Egito, Líbia e Tunísia.
O que os países que constituíram esses movimentos revolucionários têm em comum? 1) Tanto o Irã quanto os países da Primavera Árabe sofreram com a atuação das potências ocidentais durante o século XX – seja devido ao modelo colonialista ou à intervenção direta e/ou indireta em sua soberania política e econômica; 2) todos os países viviam sob ditaduras até que ocorresse a ruptura; 3) os ditadores, se não recebiam apoio das potências ocidentais diretamente, contavam com seu beneplácito; 4) a situação econômica nesses países gerou concentração de riquezas nas mãos de um pequeno grupo ligado ao poder e empobrecimento da maior parcela da população; 5) a repressão política era muito violenta. Poderíamos citar ainda outras similaridades, se fosse o caso.
O que poderíamos perceber como principal fator incomum? A Revolução islâmica iraniana tinha o elemento religioso como balizador para a construção de um novo modelo de governo e sociedade. Nele, os princípios islâmicos significavam a redenção do povo e a ruptura com um modelo ocidental falido e que não atendia ao interesse da população. Por outro lado, a Primavera Árabe nasce com uma proposta “clara” de derrubar uma ditadura em prol do estabelecimento de um regime democrático — entretanto, não há a ruptura com a estrutura de poder previamente estabelecida.
Os revolucionários iranianos desmontaram a estrutura do estado anterior e a construíram sob um novo modelo de governo. Mas nesse caso o elemento religioso já exigia essa mudança, fato esse que não ocorreu nos países que vivenciaram a Primavera Árabe. Egito e Tunísia ainda lutam para implementar um modelo democrático — contudo, as antigas elites que usufruíram das benesses do poder têm dificuldade para permitir isso e tentam corromper o processo, no intuito de assegurarem suas vantagens.
Ainda, sem haver uma figura consensual para comandar o processo pós-Revolução, como foi o caso do aiatolá Khomeini no Irã, e, tendo sido desconstituídas todas as instituições democráticas durante os longos períodos ditatoriais nos países árabes, a possibilidade de que haja um consenso entre os grupos que estão sendo formados reduz-se consideravelmente.
A essa dificuldade, agrega-se o fato de que durante a Revolução Iraniana o elemento religioso não representava um perigo real para o Ocidente, vindo a configurar-se como tal apenas posteriormente. Por isso, não sofreu qualquer represália. Inclusive foi tratado como inovador por intelectuais, como Foucault. Ao passo que, atualmente, todos os partidos que apresentem inclinações “fundamentalistas” são vistos como perigosos para a “construção da democracia” no país. Ou seja, a democracia já nasce limitando a participação democrática a partir de interesses externos.
A partir dessas considerações, é possível aventar a possibilidade de que os países que vivenciaram a Primavera Árabe, se não conseguirem romper com as antigas estruturas de poder e se afastarem da égide dos Estados Unidos e países europeus, correm o risco de entrarem no modelo cíclico de dominação que perdurou até o início dos movimentos em dezembro de 2010. Ou seja, com um verniz democrático, esses países poderão eleger governantes comprometidos com a política externa dos aliados ocidentais e não com seus nacionais. A partir daí a tendência natural será aproximarem-se do que foram os governos de Mubarak ou Ben Ali, algo que tem sido muito frequente na história desses países.
Desse modo, a Primavera Árabe que nasceu do clamor dos jovens – que em alguns aspectos lembra os manifestantes de 1968 – por mudanças políticas, econômicas e sociais, corre o risco de se transformar em uma nova Primavera de Praga. Quem sabe, impondo a dominação a partir de outras estruturas democraticamente mais “aceitáveis” que os tanques soviéticos que invadiram a antiga capital da Tchecoslováquia.