sábado, 22 de dezembro de 2012

A ESTRANHA LÓGICA ILÓGICA DA ONU COM ISRAEL: O "SIM" DO MUNDO QUE NÃO SIGNIFICA "SIM"



Sul21 - Mundo - 22 de dezembro de 2012




Em Porto Alegre, o Fórum Mundial Palestina Livre ocorreu no mesmo período em que se decidia status dos palestinos na ONU | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Renatho Costa *
Especial para Sul21
Em 28 de novembro de 1947, a Assembleia Geral da ONU reuniu-se em sessão presidida pelo brasileiro Osvaldo Aranha para deliberar, através da Resolução 181, sobre o Plano de Partilha da Palestina. Em tese, o mundo – através da recém criada Organização das Nações Unidades, sucessora da falida Liga das Nações – atribuía aos estados membros resolver um problema que havia sido agravado pelo Sistema de Mandatos imposto à região do Oriente Médio após a I Guerra Mundial. A Grã-Bretanha, mandatária da região da Palestina, já vivenciando fortes atritos com grupos paramilitares locais, se eximia completamente de qualquer responsabilidade pela tensão criada e esperava que o ato da ONU trouxesse a paz – pelo menos como havia no período do Império Otomano – para a Palestina. É certo que a perspectiva democrática da ONU se impôs sobre a vontade de todos os países árabes que estavam presentes à histórica sessão, haja vista eles terem se posicionado absolutamente contrários à proposta que viria a ser vencedora. Naquela ocasião, o “sim” da maioria significou “sim” para a “criação de dois estados”, um indício de que o ideal para a ONU não necessariamente se configurava no ideal para os árabes. A Palestina foi dividida – porém, não conforme a resolução 181 impôs.
Os acontecimentos posteriores à resolução 181 são lembrados constantemente e a tão almejada solução para a “Questão Palestina” nunca se configurou em realidade. A proposta de criação de dois estados na região – uma árabe e outro judeu – transformou-se em letra morta, uma vez que após a guerra de 1948, apenas um estado emergiu: Israel. Com o tempo, as possibilidades para que o segundo estado palestino viesse a existir foram escasseando, devido à desfiguração de um território viável.
Depois de 65 anos, no mesmo 28 de novembro, é levada à Assembleia Geral da ONU a proposta de alteração do status dos palestinos junto àquela instituição, de “entidade observadora”, para “Estado observador não-membro”. Em 2011, os palestinos já tinham tido negado, pelo Conselho de Segurança da ONU, o direito de integrar a instituição como “membros permanentes”. Com isso, o líder da Autoridade Palestina Mahmoud Abbas entendia que a sessão de 2012 seria a última chance para que a comunidade internacional expusesse seu real interesse em colocar um fim no conflito com Israel. Para tanto, precisaria que a ONU, com a mudança de status dos palestinos, fornecesse a “certidão de nascimento” para a Palestina. Com 138 votos favoráveis à proposta, 41 abstenções e 9 contrários, o “sim” da instituição que representa os valores universais das nações, não se configura, necessariamente, em um “sim” para a criação do Estado Palestino. E esta é, justamente, a questão.

Em sessão histórica em outubro, ONU aceitou Palestina como estado observador não membro com 138 votos favoráveis | Foto: UN Photo / Eskinder Debebe
Dentre os nove estados que negaram o direito de a Palestina ter sua “certidão de nascimento”, estão Estados Unidos e Israel. Mas qual seria o problema em criar um estado palestino se até mesmo o presidente Obama expressou seu entendimento neste sentido? Que risco haveria para Israel com o surgimento de um estado palestino, já que deixaria de tê-los sob “sua responsabilidade”?
Parte da resposta a essas perguntas foi dada no dia seguinte à votação na ONU, quando o Estado de Israel mostrou para o mundo que continuará com sua política de ampliação dos assentamentos sobre o território palestino. Inclusive, uma mesquita foi destruída e essas imagens viajaram o mundo através de noticiários. Com isso, configura-se que o Estado de Israel não tem interesse que surja um estado palestino na região, pois Eretz Yisrael não estaria delimitada ao que a ONU determinou em 1947, tampouco à configuração pré-1967, como muitos simpatizantes da criação de “dois estados” defendem.
Por mais que as instituições internacionais se mobilizem na busca por uma solução para a questão palestina, isso somente se configurará em algo fático se ocorrer uma de duas possibilidades. Primeiramente, é preciso que os israelenses queiram uma solução que também atenda aos interesses palestinos. E historicamente se nota que, seja qual for o partido político que governe Israel, a política de ampliação de território nunca deixou de existir. Assim, dificilmente haverá uma conjuntura política no próximo pleito eleitoral que eleja algum grupo comprometido com a mudança deste “projeto israelense”. O sistema político israelense possui algumas peculiaridades e, para um partido manter a estabilidade e governar, é necessário fazer alianças. Assim, certos grupos conservadores – inclusive com poder para colocar Avignor Lieberman como Ministro das Relações Exteriores – funcionam como “fiéis da balança” e não estão dispostos a atender resoluções da ONU que versem contra seus princípios e interesses.

No dia seguinte à votação na ONU, Israel anunciou intenção de ampliar assentamentos em território palestino | Foto: Al Jazeera English / Flickr
Em segundo lugar, é providencial salientar que historicamente o Estado de Israel goza de salvo conduto para não respeitar decisões da ONU. Exemplo máximo disso está no fato de que permaneceu em território libanês por mais de dezoito anos, ocupando aproximadamente 10% daquela região, e, mesmo com inúmeras resoluções da ONU exigindo sua saída, lá esteve até 2000, quando o Hezbollah desferiu uma forte ação que o levou a deixar o país. Quem referenda a atuação de Israel são os Estados Unidos, devido, dentre outros aspectos, à necessidade de manter sua influência na região do Oriente Médio. Desse modo, qualquer tipo de mudança perpassa pelo governo estadunidense.
Então, o que poderia ser alterado com o novo status dos palestinos no sistema internacional? Na verdade, essa alteração pode gerar maior tensão sobre os Estados Unidos, pois, de certo modo, coloca em xeque a própria legitimidade da indistinta defesa dos atos israelenses, uma vez que os estadunidenses terão de se afastar da retórica de “defesa de valores e legalidade” para acastelar os interesses de Israel. Tendo como base a preocupação geopolítica estadunidense com a região, dificilmente haverá uma ruptura entre os dois países. Mas a aliança poderá ficar desgastada se o próximo primeiro-ministro israelense nortear suas ações pelo modelo de governo de Netanyahu.
Benjamin Netanyahu
Governo de Benjamin Netanyahu tem insistido que apenas negociações diretas entre Palestina e Israel podem levar à paz | Foto: Remy Steinegger / World Economic Forum
Hoje, o Estado de Israel, sob a alegação de “preservação de sua segurança”, controla todas as fronteiras da Faixa de Gaza – exceto a terrestre, pelo Egito – e Cisjordânia. A possível criação de um estado palestino tornaria essa ação inadmissível diante do Direito Internacional, no qual a soberania territorial é algo inviolável. Então, não há interesse na criação deste estado. Também, a ingerência sob os aspectos econômico-comerciais palestinos deixaria de existir. E o mais complicado, haveria a necessidade de estabelecer fronteiras para ambos os países e discutir o status dos árabes que vivem em Israel. Nenhuma destas questões está na pauta de interesses dos governantes israelenses.
Desse modo, enquanto o Estado de Israel age como se a ONU não tivesse se pronunciado acerca do status palestino, Hamas e Fatah buscam aproveitar esse momento para demonstrar afinidades. Inicialmente o Hamas não demonstrou tanto interesse pela mudança de status dos palestinos, contudo, Khaled Meshaal, sua liderança, acabou entendendo que novas possibilidades de atuação dos palestinos no cenário internacional se abririam com esta alteração. Principalmente a possibilidade de questionar a atuação do Estado de Israel frente ao Tribunal Penal Internacional (TPI), seja pela atuação nos assentamentos da Cisjordânia ou mesmo pelas ações militares contra os habitantes de Gaza – como as que ocorreram em 2008/2009 e 2012.
Mesmo que a situação no Oriente Médio não esteja tão confortável para o Estado de Israel como anteriormente, ainda é muito cedo afirmar que ocorrerão alterações substanciais na região, pelo menos no que diz respeito à criação de um Estado Palestino. Isso porque o processo que viabilizaria a criação deste novo estado perpassaria por sua delimitação territorial e, apesar de Obama inovar em seu discurso defendendo que sejam estabelecidas com base nas fronteiras de 1967, dificilmente suas ações ultrapassarão o campo da retórica. Até porque, conforme Mearsheimer ressalta, o lobby israelense nos EUA não deixaria que isso acontecesse. Lembrando ainda que, se a Autoridade Nacional Palestina (ANP) persistir em ações que visem deslegitimar a atuação de Israel no sistema internacional, os recursos financeiros estadunidenses poderão deixar de auxiliar a organização, fato esse que poderá fazer com que Abbas seja deposto e surja outra liderança mais alinhada aos interesses estadunidenses, ou seja, propensa a “negociar com Israel” a criação de um estado Palestino.
O posicionamento acerca de como os EUA e Israel querem que a situação permaneça ficou muito claro no pronunciamento da Secretária de Estado estadunidense, Hillary Clinton, quando afirmou que “Temos [talvez, apenas EUA e Israel] claro que apenas por meio de negociações diretas entre as partes de palestinos e israelenses [repetindo o discurso de Netanyahu] podem alcançar a paz que ambos merecem: dois Estados para dois povos com uma Palestina soberana viável e independente, vivendo lado a lado em paz e segurança com um Israel judeu e democrático” .

Ações da Autoridade Palestina podem levar a corte de recursos, o que dificultaria permanência de Mahmoud Abbas | Foto: UN Photo / Rick Bajornas
É fato que a mudança de status dos palestinos trouxe força para que a “Questão Palestina” voltasse à Agenda Internacional dos EUA, algo que havia sido abafado pela dita Primavera Árabe, pela Guerra da Síria”, a eleição da Irmandade Muçulmana no Egito, além dos problemas já convencionais da pauta como o “Irã Nuclear” e a Guerra no Afeganistão. De certo modo, o desdobramento destas questões também tem implicações no futuro do Estado Palestino, pois o Estado de Israel poderá potencializar ou reduzir sua função no Oriente Médio, fato esse que guarda relação muito próxima com a atuação estadunidense. Então, a força e empenho internacional para a criação de um futuro Estado Palestino, inclusive com apoio de importantesplayers, como Rússia e China, está relacionado às alterações que o Oriente Médio sofrerá nesses momentos posteriores.
Por fim, cabe ressaltar o estranhamento frente à reação da “criatura” ao seu “criador”. A ONU, que deu vida ao Estado de Israel a partir de uma proposta do Movimento Sionista, agora tem a legitimidade de suas ações questionada pelo primeiro-ministro israelense Netanyahu, quando afirma que “a única forma de conquistar a paz é por meio de negociações diretas sem condições prévias e não com uma declaração unilateral da ONU que não leva em consideração os imperativos de segurança de Israel”. E complementou: “a paz será alcançada apenas com acordos aceitos em Jerusalém [não utiliza Tel Aviv] e Ramallah, e não por uma decisão da ONU” . Por certo, se Netanyahu – ou membros do Movimento Sionista – proferisse esse discurso na sessão de 28 de novembro de 1947, talvez a história tivesse sido outra.
* Renatho Costa é professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) e especialista em Oriente Médio. Blog: www.rcacademico.blogspot.com E-Mail:renathocosta@unipampa.edu.br
Fonte: http://www.sul21.com.br/jornal/2012/12/a-estranha-logica-ilogica-da-onu-com-israel-o-sim-do-mundo-nao-significa-sim/