domingo, 10 de novembro de 2013

IRÃ – DA REVOLUÇÃO AO SEU ATUAL PAPEL NO SISTEMA INTERNACIONAL

E-mail: faap.cieri@gmail.com 

UM MUNDO EM CONVULSÃO


Informações: http://mundoemconvulsao.fflch.usp.br/node/1

MUITO ALÉM DE UMA GUERRA

Revista Carta na Escola, Edição nº 80, outubro/2013

Por que os ventos das revoltas árabes não sopraram 
a ponto de depor Bashar al-Assad e qual é a lógica 
de poder nessa região

Por Renatho Costa, internacionalista, historiador, professor e pesquisador da Universidade Federal do Pampa — publicado na edição 80, de outubro de 2013
Em dezembro de 2010, os países do Norte da África e do Oriente Médio passaram a vivenciar um processo de amplas transformações em suas estruturas político-sociais. Apesar de deterem características específicas quanto ao modelo de governo, prevalecia a centralização de poder nas mãos de uma pessoa ou de um grupo. E, com o movimento revolucionário que teve início na Tunísia e depois se alastrou pela Líbia, Egito, Iêmen e Jordânia, entre outros Estados, níveis distintos de mudanças foram alcançados.

Com o desencadear da Primavera Árabe, muitos grupos sociais encontraram espaço para manifestação e, com o suporte da comunidade internacional, puderam depor lideranças ditatoriais que comandavam os países há décadas. O tão alardeado “efeito dominó” fez ditaduras caírem num curto prazo, no entanto, em alguns países nem sequer os ventos da Primavera conseguiram soprar ou, quando tiveram essa oportunidade, nem sempre geraram transformações expressivas. Diante dessa disparidade de resultados da Primavera Árabe, o questionamento que perdura diz respeito à razão pela qual a Síria se encontra imersa numa guerra que, sob muitos aspectos, vem dizimando o Estado e a população. E, mais, tem como espectadores privilegiados os demais países e organizações internacionais que não se entendem quanto às medidas a ser adotadas.

Para entendermos o porquê de a Síria não ter conseguido depor seu governante com a mesma facilidade que o Egito, Tunísia e Líbia tiveram, é importante nos atermos em como o Estado sírio foi criado e o papel que passou a desempenhar no Oriente Médio.

O Oriente Médio, segundo a Europa
A Síria, como Estado Nacional e com as dimensões territoriais de hoje, é uma criação ocidental resultante das negociações entre franceses e ingleses sobre o destino do Império Otomano no fim da Primeira Guerra Mundial (quadro à pág. 31). Em razão do Acordo Sykes-Picot, de 1914, depois referendado pela Conferência de San Remo (1920) e pela Liga das Nações, a França passou a “tutelar” a Síria e o Líbano com base no sistema de Mandatos. A própria divisão dos Estados não levou em consideração aspectos histórico-culturais, mas apenas interesses geopolíticos das potências.
Com a independência, em 1946, a Síria passou a buscar a liderança no mundo árabe e logo se envolveu na guerra entre palestinos e israelenses de 1948. A derrota dos árabes desencadeou ressentimentos e perdas territoriais para os palestinos. Na sequência, os sírios ainda entraram em guerra contra Israel em 1967 (Guerra dos Seis Dias), na qual perderam o território conhecido como Colinas de Golã, e em 1973 (Guerra do Yom Kippur), mas em ambas foram derrotados.

A tensão vivenciada pelos países do Oriente Médio refletia, em muitos aspectos, o conflito entre EUA e URSS, uma vez que ambos necessitavam controlar os países produtores de petróleo e, para tanto, interferir na geopolítica local para atender a seus interesses. Como Israel contava com o apoio dos EUA, assim como o Irã (até 1979, quando ocorreu a Revolução Islâmica que depôs o xá Mohammed Reza Pahlevi), a URSS se via obrigada a fortalecer o seu apoio à Síria.

A “proteção” soviética gerou certo conforto para os governantes sírios exercerem sua influência no Oriente Médio e se posicionarem abertamente contra a política dos EUA. Ainda, com a ascensão do partido Baath ao poder, em 1963, houve maior aproximação aos soviéticos, devido à sua ideologia socialista.

Em 1971, depois de muita disputa política interna, Hafez al-Assad, de origem alauí-
ta – um segmento do xiismo –, tornou-se presidente da Síria. Ele conseguiu fazer com que essa minoria religiosa (aproximadamente, 10% da população) controlasse o país formado majoritariamente por sunitas (70%). Tal manobra política foi viabilizada devido ao seu controle das Forças Armadas e à política de modernização econômica que implementou no país, a qual passou a gerar melhora na qualidade de vida da população. Independentemente da estrutura centralizadora do poder, a construção do culto à sua figura fez com que Al-Assad se transformasse numa grande liderança local e no mundo árabe.

Hafez al-Assad nunca compartilhou dos pressupostos da Revolução Islâmica iraniana e, inclusive, tinha receio de que grupos fundamentalistas tentassem alterar a ordem secular do país. No entanto, a aproximação com o Irã teve o nítido propósito de encontrar mais um aliado contra os EUA e Israel. Nesse sentido, o apoio ao Hez-
bollah – organização xiita libanesa – em sua luta contra os israelenses se configurava numa estratégia ideal.

Em 2000, com a morte de Hafez, seu filho Bashar al-Assad assumiu o poder. De certo modo, preservou as diretrizes da política interna, o que foi importante para se legitimar junto à população, pois conseguiu herdar as benesses do culto à imagem que seu pai construiu.

No entanto, o panorama externo já não se apresentava tão favorável à Síria e, em 2001 a situação ficou ainda mais complicada com os atentados às Torres Gêmeas. Inicialmente, George Bush tinha forte interesse em inserir a Síria no “Eixo do Mal”, mas acabou priorizando Irã, Iraque e Coreia do Norte em sua estratégia contra o terrorismo.

Outro evento que pressionou o governo de Bashar foi a forte campanha internacional para que a Síria retirasse suas tropas do Líbano (lá presentes desde 1976) e, para tanto, a ONU baixou uma resolução que exortava todas as Forças Armadas estrangeiras a deixarem o país, sob o risco de represálias. Assim, a Síria retirou-se do Líbano em 2005, mas continuou influindo indiretamente na política interna libanesa.

Já em 2011, diante do cenário de relativa redução do poder de influência sírio na região, a “Primavera Árabe” surgiu como um evento que poderia ser utilizado pelas potências ocidentais no intuito de remover Bashar Al-Assad do poder, uma vez que fragilizaria o Irã e o deixaria mais isolado.
A atuação de Bashar não diferia de outras lideranças regionais. O nível de repressão vivenciado pela população civil síria não era apontado por organizações internacionais como destoante ou preo-
cupante. Ocorre que, diante da oportunidade de depor Bashar, os países ocidentais (partidários dos EUA) estimularam as oposições sírias a agir contra o governo. Sem esse “apoio externo” a repressão do governo teria abafado os “movimentos rebeldes” logo no início de suas manifestações, mas neste caso a mudança da geopolítica estava em jogo, por isso transcorreu de modo distinto.
Assim, os países ocidentais passaram a apoiar indiretamente as milícias que visavam derrubar Bashar. Os “rebeldes”, como são tratados pela mídia, são formados, basicamente, por mercenários de outros países e continuam sendo estimulados e financiados pelas potências ocidentais, exatamente como foi feito pela Otan e pelos EUA na Líbia. Evidentemente que surgiram grupos locais que se opuseram à política de Bashar, mas não de modo a conduzir um levante popular.

Diferentemente da deposição de Kad-
dafi (Líbia), que não contava com apoio externo de potências, tampouco de lideranças do mundo árabe, Bashar Al-Assad possui fortes aliados e sua manutenção no governo significa a preservação da atual geopolítica do Oriente Médio. E, nesse sentido, Rússia e China, com direito de veto no Conselho de Segurança da ONU, inviabilizam qualquer medida que pudesse levar à deposição de Bashar sem que seu sucessor fosse oriundo do mesmo grupo político. O próprio Irã, ainda em 2011, buscou promover a saída de Bashar por alguém ligado ao seu partido, mas essa opção acabou sendo descartada pelos EUA, pois poderia significar uma vitória para Ahmadinejad, então presidente do Irã, e a expansão da influência iraniana na região.

A China também vivencia certa preocupação com o apoio de movimentos populares que busquem derrubar governos que não são democráticos e, nesse sentido, a política externa dos EUA, que promoveu a invasão do Iraque, Afeganistão e agora procura criar mecanismos para fazer o mesmo na Síria, poderia estimular os chineses insatisfeitos com o regime a atuarem de modo semelhante. Essa alteração geopolítica seria muito desfavorável ao governo chinês, ainda mais se for considerado o aumento gradual do controle das reservas de petróleo que os EUA passariam a deter, direta ou indiretamente, com a intervenção nesses países.  Diante desse jogo pela mudança da geopolítica local no intuito de provocar um maior isolamento do Irã, os EUA lançaram mão de mais um argumento para justificar a intervenção: impedir o uso de armas de destruição em massa (ADMs) e violação aos direitos humanos.

Mesmo que não haja a confirmação de que Bashar al-Assad utilizou ADMs, esse argumento tende a ganhar legitimidade em caso de intervenção. E, com a interrupção das negociações pela via diplomática, devido ao impasse entre EUA, Rússia e China, Obama buscaria outros caminhos para impor os interesses dos EUA.

O efeito de uma intervenção na Síria sem o endosso da Rússia e China poderia repercutir em toda a região. Além de atrair o Irã para a guerra, potencializaria o conflito interno com o apoio militar russo, chinês e iraniano ao Exército de Bashar Al-Assad. Poderia expandir a guerra para a Turquia e Israel, neste caso contando com o apoio indireto do Hezbollah.

Devido a esse cenário conflituoso, a Síria transformou-se no mais importante tema da política externa atual. Os próximos lances desse complexo jogo são aguardados com muito anseio e preocupação, pois podem referendar o unilateralismo dos EUA ou reabrir caminhos diplomáticos que ainda não foram explorados completamente.
Em Sala/Relações internacionais

O conflito de interesse de uma política humanitária que pode extrapolar o bem-estar da população
Atividades

1) Pesquise junto às normas do Direito Internacional quais os critérios para intervenções humanitárias.

2) Faça um levantamento histórico e compare essa ação dos Estados Unidos com a intervenção no Iraque, em 2003, que também visava impedir a utilização de arma de destruição de massas.

3) Faça uma pesquisa histórica para 
entender o porquê de a maioria dos 
países do Oriente Médio não possuir governos democráticos.

4) Procure o significado e a diferença dos seguintes termos: Islã, soberania, armas de destruição em massa, geopolítica, revolução, democracia, ditadura.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

ENTREVISTA: ESPECIALISTAS COMENTAM CRISE NA SÍRIA

Postado por  on set 19th, 2013 em Mundo.

Os pesquisadores Youssef Cherem e Renatho Costa respondem às principais questões sobre a situação conflitante do país árabe



Caroline Braga
Qual o contexto dos EUA para justificar o posicionamento favorável de Obama a uma intervenção militar na Síria?
Yousseff: Vários elementos políticos dos EUA têm-se mostrado reticentes quanto à perspectiva de uma intervenção militar no conflito sírio, tendo em vista o que aconteceu no Iraque. Lá foram utilizadas justificativas que depois se revelaram enganosas, sobre a necessidade de destruir os arsenais de armas de destruição em massa de Saddam Hussein. Houve um conflito que se arrastou por anos, em que foram gastos bilhões de dólares e no qual foram perdidas milhares de vidas, e do qual Iraque pena para se recuperar, com uma situação política e securitária instável. No entanto, Obama afirmou várias vezes que o uso de armas químicas ou biológicas seria uma “linha vermelha” que não deveria ser ultrapassada. Mas não há evidências definitivas sobre a culpabilidade do regime no caso dos ataques químicos na Síria. Outro problema, para os opositores da ideia de intervenção, é que não se pode prever o alcance — não é possível saber se ela será realmente limitada, nem rápida, nem se atingirá seus objetivos — que também foram vagamente definidos entre a) dissuadir o uso de armas químicas/biológicas por parte de Asad; b) acabar com a capacidade de Asad de utilizar esse arsenal.
Renatho: A justificativa de Obama muito se assemelha à propositura de Bush para invadir o Iraque em 2003. É importante lembrar de que desde o início dos conflitos na Síria, Obama declarou que o limite de tolerância dos EUA seria o uso de Armas Químicas contra a população. Então, Obama busca o apoio do Congresso suscitando o ideal estadunidense e das vantagens de depor Assad para instaurar um regime no qual o governante esteja alinhando aos EUA, exatamente como ocorre no Iraque e Afeganistão.
O que isso significaria para a imagem de Obama enquanto presidente?
Y: De um lado, a credibilidade: se Obama afirmou, como dito anteriormente, que não seria aceito o uso de armas químicas e biológicas, se ele não agisse suas ameaças perderiam a credibilidade e, portanto, sua força dissuasiva, tanto no presente quanto no futuro. Por outro lado, Obama está receoso quanto a um ataque unilateral, e ansioso por aprovação interna (Congresso) e externa (aliados e ONU). Sua imagem pode se deteriorar em tantos contextos (oposição interna, apoio/popularidade do cidadão americano, aliados na OTAN, sem contar com as respostas e repercussões no Oriente Médio) que se torna uma decisão muito delicada.
R: Se levarmos em consideração as promessas do primeiro mandato de Obama, que começou com seu discurso no Cairo, no qual propunha uma nova maneira de entender o Oriente Médio, temos de concluir que seu governo foi um grande equívoco. De certo modo, conseguiu retirar as tropas do Iraque, como constava em promessa de campanha, mas as riquezas petrolíferas do país estão nas mãos de empresas estrangeiras (direta ou indiretamente), e, a tão aclamada democracia não se sustenta no país. Os interesses econômicos continuam a pautar a atuação estadunidense no Oriente Médio, que é potencializada pelo interesse em ampliar seu raio de influência na região. O segundo mandato de Obama está servido para ratificar o fato de que independentemente do partido que governe os EUA, sua política externa é clara e sofre apenas algumas variações. Então, Obama, para o mundo muçulmano e países da América Latina, África e boa parte da Ásia, acaba tendo sua imagem de “vencedor do Nobel da Paz” entendida como mais um engodo.
A França está disposta a realizar uma intervenção militar no país. Quais são os incentivos para isso?
Y: A França, claramente, não está disposta a realizar isso sozinha. Mas o governo francês tem sido enfático em “apontar o dedo” para o regime sírio e reiterar a inadmissibilidade dos ataques químicos. Ainda há muitas incógnitas sobre as motivações ou interesses da França, que parece ser o país que mais está apoiando a posição de Obama no momento.
R: Existe divergência junto aos parlamentares e mesmo na população. Os franceses até demonstram ser mais suscetíveis à intervenção, desde que seja a partir de um aval da ONU. Hollande poderia ampliar seu prestígio no país e governar com mais tranquilidade. Há também o interesse financeiro, pois a derrubada de Assad deixará um espólio que será gerido pelos vencedores e a França tem interesse no gás sírio. Ainda, é importante lembrar que a Síria ficou sob o governo da França durante o período de Mandato, no início do século XX, e gradualmente foi perdendo sua capacidade de atuação no Oriente Médio conforme reduziu sua influência na região. Nesse sentido, uma suposta vitória dos aliados franceses e estadunidenses poderia trazer prestígio para Hollande e a França. Por essas razões a França endossa a atuação conjunta com os EUA, no entanto, já não o faz com a mesma veemência inicial, haja vista os EUA também terem noção do risco de enfrentar indiretamente Rússia, China e Irã.
Qual é a postura da China e da Rússia, principais aliados da Síria, sobre essa intervenção?
Y: Ambos os países são naturalmente propensos a bloquear qualquer ação internacional que resulte em uma quebra do princípio da soberania e da não intervenção – ambos têm seus próprios problemas com movimentos irredentistas/separacionistas/étnicos, e a desaprovação internacional que resulta das violações de direitos humanos (no caso desses movimentos e também num âmbito geral). Adicione-se a isso o fato que a Síria é um “Estado cliente” e aliado da Rússia, que a usa como uma carta para sua política internacional (no Oriente Médio e além). Já o Irã vê a Síria como um aliado fundamental num contexto geopolítico em que o mundo árabe sunita se lhe opõe ferozmente.
R: Ambos são completamente contrários à ação militar contra a Síria que vise à derrubada de Assad do poder e, caso venha a ocorrer, sem dúvida estes dois países, além de o Irã, poderão dar todo o suporte militar para as forças de Assad conseguir enfrentar os EUA. O grande problema é que esta opção transforma a guerra num cenário com alto poder destrutivo, seja pela utilização de mísseis por ambos os lados, ou pela maior capacidade de extermínio com o uso de armas mais poderosas por parte dos “Rebeldes” e das Forças Armadas sírias. E, como EUA, inicialmente, não tem interesse em utilizar tropas terrestres, o risco de que a destruição leve a massacres de civis é notória, seja de que lado for. Como China e Rússia não têm interesse em uma mudança da geopolítica local, vão levar esse confronto ao limite mais alto, talvez transformando a Síria em um espaço que todos os atores se enfrentassem através de outros grupos envolvidos diretamente na guerra.
Quais consequências os conflitos na Síria geraram ao país e à região?
Y: Uma das maiores consequências está no imenso fluxo de refugiados sírios no Oriente Médio. Se o número de mortos desde o início do conflito supera os 100.000, os refugiados já são mais de um milhão — mais de 700.000 só no Líbano, um país com menos de 5 milhões de habitantes. É uma situação insustentável. E o fluxo continua a aumentar. Por outro lado, é um conflito sem resolução em vista, que pode se arrastar por anos.

R: Se a guerra for deflagrada sem o aval de Rússia e China, ainda poderíamos ver a expansão dos conflitos para outros países da região. A Turquia, aliada estadunidense, poderia ser um alvo dos partidários de Assad, o que desestabilizaria o governo de Erdogan e o obrigaria ao revide. Também, devido ao apoio do Hezbollah a Assad, não seria muito complicado fazer com que a tensão com Israel fosse revitalizada e o conflito adentrasse no Líbano. Ainda há a possibilidade de o Hamas, aproveitando um suposto foco de ação de Israel no norte de sua fronteira com o Hezbollah, retome suas ações contra israelense. E, ampliando ainda mais este conflito, o Estado de Israel poderia aproveitar a oportunidade para lançar mísseis contra usinas de energia nuclear iranianas – como fez com o Iraque – para evitar o desenvolvimento de armas atômicas. Automaticamente o Irã iria revidar e a polarização do mundo muçulmano contra o inimigo comum israelense poderia criar alianças pragmáticas.

domingo, 8 de setembro de 2013


Brasília, 30 de agosto de 2013

Entrevista ao programa GIRO PELO MUNDO da Rádio Justiça, ancorado pelo jornalista Chico Gomes, sobre a situação atual do Iraque.
 


Fonte: http://www.radiojustica.jus.br/radiojustica/programacao.action

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

UM IRÃ DIVIDIDO COMEMORA 34 ANOS DE REVOLUÇÃO ISLÂMICA


Primeira página

Radio França Internacional - Fato em Foco
11 de fevereiro de 2013

Patricia Moribe


O presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad.O dia 11 de fevereiro de 1979 marca a queda do xá Reza Pahlevi, poderoso monarca ditador iraniano, derrubado por uma revolta popular. Era o começo também do regime dos aiatolás, primeiro com Khomeini e hoje com o líder espiritual supremo Ali Khamenei. O atual presidente, Mahmoud Ahmadinejad, foi reeleito em 2009, com apoio direto de Khamenei. A campanha eleitoral foi sangrenta, a oposição e os protestos populares foram duramente reprimidos. O Irã hoje vive uma intensa disputa interna pelo poder – Khamenei e Ahmadinejad já não se entendem tão bem e os atritos são cada vez mais públicos e agressivos. A linha política de ambos não difere muito e ambos defendem o controverso programa nuclear iraniano. O braço de ferro está na escolha do novo presidente, em junho, por eleições diretas. O professor de Relações Internacionais Renatho Costa, da Universidade Federal do Pampa, a Unipampa, conhece bem o Irã, onde fez pesquisas para sua tese de doutorado. Ele explica como se deu a revolução de 1979 e analisa o quadro político do país hoje. 

   
Acompanhe a entrevista    
 
 

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

POR QUE "ARGO" VAI GANHAR O OSCAR?



Sul21, Opinião Pública, 05 de fevereiro de 2013.



Por Renatho Costa
A resposta para esta questão é muito simples: porque o cinema continua sendo a maneira mais simples de mostrar para o mundo quem é bom e quem é mau. Porque não adianta atuar em organismos internacionais e praticar ações que salvem milhões de pessoas se essas ações não se tornarem públicas – e mais, não adianta se tornarem públicas se não vierem embaladas em belas imagens, muita ação e uma trilha sonora que direcione a narrativa no intuito de perdermos a noção de quem é quem e aceitarmos apenas o que está sendo mostrado.
Por isso Argo vai ganhar o Oscar: porque retoma a antiga fórmula do cinema como produto de propaganda política para veicular um evento que poderia ser altamente questionável sob muitos aspectos, inclusive o diplomático. O que é mostrado como heroísmo e no final deixa o espectador tenso, nada mais é do que uma grande violação do Direito Internacional. Mas nada disso é apresentado desta forma, porque desde o início do filme já sabemos quem são os mocinhos e quem são os vilões.
Para alguém descuidado, ou que pouco conhece a história do Irã, poderia dizer que o filme não é unilateral, pois no início menciona que os EUA e a Grã-Bretanha tiveram responsabilidade na derrubada do primeiro-ministro iraniano Mossadegh, em 1953 (mas não dizem nada sobre a violação da soberania iraniana ocasionada pela Operação Ajax, chefiada pela CIA). Também disseram que o xá praticava tortura e tinha a Savak, tudo mostrado somente através de fotografias. Estas informações são expostas no início de um filme, num momento em que grande parte do público sequer está familiarizada com a problemática que será abordada. Ok, o Irã tinha um xá e agora tem um aiatolá! Títulos interessantes, mas tão exóticos para o espectador quanto um sultão de histórias de “Ali Babá e os 40 ladrões”…
E, depois de uma apresentação que mais parece “as mil e uma noites”, ficamos sabendo que o aiatolá Khomeini liderou uma revolução e logo vemos uma imensa quantidade de pessoas pelas ruas, gritando, numa língua que pouca gente conhece e não há legenda em inglês, tampouco em português, para sabermos sobre o que falam, exceto, mais adiante, quando será importante mostrar como os revolucionários iranianos são “idiotizados” ou “infantilizados”.
Tentemos entender o que se passava no Irã e o filme prefere omitir. Primeiramente, com a revolução em andamento, os EUA ainda pretendiam depor o governo islâmico e, na embaixada estadunidense (mesmo queimando e destruindo muitos documentos, foram encontradas provas de que os EUA planejavam outra ação como a Ajax, que depôs Mossadegh) não havia apenas diplomatas, como é dito: muitos eram espiões e pessoas que sempre trabalharam em sintonia com o governo do xá. Desse modo, a neutralidade do espaço diplomático da embaixada, em muito havia sido violada pela intenção dos EUA de conspirarem contra o governo instituído. Também, a generosidade do presidente estadunidense, Jimmy Carter, em receber o xá Reza Pahlevi não se deu porque ele estava com câncer, mas sim porque era um aliado dos EUA e o peso de um aliado sendo capturado pelos revolucionários, julgado e condenado faria (levando em conta a lógica de um mundo bipolar EUA x URSS) com que os demais aliados também colocassem em dúvida a segurança frente ao alinhamento – e devolvê-lo estava fora de cogitação. Sem contar que o xá detinha muitas informações sobre os EUA que não seriam interessantes serem difundidas.
Nada disso aparece no filme, apenas ficamos sabendo que ele tinha câncer e que, em uma entrevista, o xá diz que não sabia de torturas. Mesmo que em duas frases soltas alguns agentes da CIA questionem a necessidade de receber o xá no pais, não há ênfase nas aberrações que o xá provocou no Irã, exceto uma imagem de uma homem torturado no prólogo do filme – uma foto – e a informação de que a população empobreceu – ilustrada com a foto de uma criança. O xá de Argo não gera qualquer repulsa, porque não há necessidade de que o público entenda que a Revolução que ocorreu no Irã em 1979 não congregava apenas religiosos, mas que quase todos os segmentos sociais participaram da derrubado do governo do xá. Porém, isso não é interessante saber, melhor mostrar homens barbados e mulheres usando chador, ambos portando armas pelas ruas. Esse tipo de imagem constrói quem é bom e mau.
Evidentemente que, se formos aprofundar na análise da situação política que o Irã foi catapultado logo após a revolução, encontraremos muitos embates entre grupos que compartilhavam da proposta de derrubada do xá, mas não necessariamente pretendiam o estabelecimento de um regime islâmico. Pode-se dizer que houve perseguição de alguns grupos e muitas pessoas acabaram morrendo ou deixando o país. Mas não era com isso que os EUA estavam preocupados, nunca houve a preocupação com diretos humanos no Irã e o apoio ao governo do xá era um exemplo disso. Não havia instrumento de repressão mais violento que a Savak. Os EUA estavam preocupados com o risco de perderem o controle geopolítico da região além de não poderem mais contar com o petróleo produzido no Irã. E nada disso não é dito em momento algum.
Mas há muito mais, pois as câmeras de Affleck produzem imagens emblemáticas quando mostram as pessoas enforcadas e penduradas por guindastes ou mesmo quando uma “refém” estadunidense vê uma pessoa sendo executada na rua. Tudo isso é uma aberração para a população ocidental, que logo relaciona essas atitudes aos “bárbaros de barba” ou aos “senhores de roupa preta”. O exotismo faz com que eles sejam construídos como seres que não estão no mesmo nível de desenvolvimento dos ocidentais. E a cena no aeroporto serve para reforçar isso. Os soldados ficam “encantados” com os storyboards como crianças que leem gibis, ou mais ainda, pois os soldados ainda fazem gestos imbecis e agem como estúpidos frente à falsa equipe de produção do filme.
Contudo, o problema não reside no fato de enganar os soldados, pois isso poderia ser feito e ocorre em inúmeras situações e é um recurso dramatúrgico de muitos filmes. O problema é que, na cena final do aeroporto, os iranianos são bárbaros/bestializados, pois falam uma língua que só é expressa aos berros, esquecendo que também é a língua de poetas como Ferdowsi, um dos responsáveis pela preservação/difusão do farsi e reconhecido mundialmente pela qualidade artística de sua obra. Mas farsi é língua dos bárbaros e somente assimilada pelos dominadores para imporem sua vontade, haja vista um dos “reféns” utilizar seu conhecimento para enganar o idiotizado/infantilizado soldado iraniano.
Outra questão é emblemática no filme Argo, a partir do momento em que os “reféns” estão na embaixada canadense, toda a construção da narrativa é feita no sentido de que o espectador torça para que eles saiam da situação de perigo. Ninguém questiona o que os EUA estavam fazendo ali, se era legítima sua ação, apenas deve-se salvar os bons estadunidenses. Não se discute a atuação dos EUA no Irã, como se tivessem sido pegos de surpresa por um grupo de pessoas insanas que pensam apenas em matar!
É esperado que o filme aponte para a ilegitimidade de os iranianos invadirem uma embaixada – mas, por outro lado, não trata de modo análogo o ato de um espião falsificar documentos, entrar e sair do país ilegalmente e mesmo contar com o apoio de outro Estado para esconder fugitivos. O grande problema é que, para salvar os mocinhos é possível utilizar todos os recursos possíveis e imaginários, e mais ainda, não fazer qualquer questionamento acerca dos métodos, haja vista os fins serem nobres. Inclusive a funcionária iraniana da embaixada canadense mente para preservar os falsos diplomatas. Não que isso fosse impossível de ocorrer, mas neste caso tenta-se desconstruir os valores islâmicos da mulher, uma vez que ela fala e age em nome de Deus, mas mente para salvar os mocinhos. Então, por conseguinte, Deus está do lado dos mocinhos e não dos iranianos… se é que é possível dizer Deus esteja de algum lado!
Mas o filme vai além quando quer tratar de heroísmo, pois um agente é condecorado por ser um espião e violar leis de outro país. Mas esta construção do herói não para por aí, uma vez que no início do filme, antes de o agente da CIA praticar a ação, está com o casamento abalado, distante do filho etc – ou seja, com uma família desestruturada. Assim que consegue concluir sua missão e resgatar os “reféns”, volta para casa, é recebido pela esposa com um abraço carinhoso (e a bandeira dos EUA tremulando no segundo plano da cena) e isso leva à conclusão de que o bem venceu o mal. Aos heróis cabem todas as glórias, a condecoração e a família de volta. Ele fez o certo – não há como ter outra conclusão, se tudo deu certo no final.
Enfim, com tanto heroísmo, os soldados iranianos não poderiam aparecer pela última vez senão como um bando de idiotas correndo atrás de um avião para impedir sua decolagem. E, depois disso, já dentro da aeronave, temos o cumprimento do herói, pois um dos “reféns” (aquele que nunca acreditou que a ação daria certo) sai de seu assento e vai até o agente da CIA para cumprimentá-lo. Também ficamos sabendo que já saíram do espaço aéreo iraniano, pois já podem beber. Uma crítica sutil, mas eficaz, pois apresenta a “liberdade” vinculada ao consumo de álcool, uma vez que os islâmicos são proibidos de ingerir bebidas alcoólicas. Os fabricantes de destilados e cervejas agradecem pela propaganda, sem contar o cigarro, que está presente no filme inteiro… E o herói sempre fuma.
Por fim, conclui-se que: nada mais justo que o cinema estadunidense ter sido utilizado nessa ação de invasão/resgate, uma vez que historicamente ele já invadiu/alcançou o mundo inteiro no intuído de difundir o american way of life e o soft power de Joseph Nye. A própria capacidade de reconstruir a história possibilita ao diretor/produtor/roteirista a habilidade de mostrar apenas o que é interessante. Assim, apesar de no final do filme ouvirmos as declarações do ex-presidente Jimmy Carter, não é mencionado em momento algum que ele programou outra ação militar para salvar os reféns na embaixada e foi um grande fracasso, que ele viu-se tão mal que não conseguiu reeleger-se, abrindo caminho para a Era Reagan. Também não é dito que os EUA ajudaram a desencadear a guerra Irã-Iraque (1980-88) e iniciaram a política de boicotes aos iranianos. Nada disso é dito nas informações finais – apenas vemos heróis e condecorações. Heróis de tão alta estirpe que aceitam o ocultamento de seus atos como algo necessário para a nação.
Frente a todos estas questões, a conclusão é simples: como um projeto de propaganda, Argo é incrível – como documento, porém, é espúrio. Mas, num momento em que o Irã necessita ter sua imagem ainda mais destruída, nada melhor do que assistirmos a um filme com bárbaros pulando muros, gritando numa língua incompreensível e vestindo-se de modo exótico: assim, saberemos muito bem quem é o bom e o mau. Se um povo como o iraniano quase cometeu uma atrocidade com seis “diplomatas” estadunidenses, o que poderá fazer com uma bomba nuclear em mãos? Essa é a outra função do cinema, nos mostrar quem são os mocinhos e os bandidos, pois mesmo nos westerns eles podem ser difíceis de identificar e é necessário que alguém nos guie para não “aprendermos errado”. Com isso, só nos resta aguardamos até o dia 24 de fevereiro para ouvirmos: “And the Oscar goes to… Argo!”
Renatho Costa é bacharel em Relações Internacionais, Mestre e Doutorando em História Social (FFLCH-USP), professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) e especialista em Oriente Médio. 
Blog: www.rcacademico.blogspot.com 
E-Mail:renathocosta@unipampa.edu.br
Fonte: http://www.sul21.com.br/jornal/2013/02/por-que-argo-deve-ganhar-o-oscar/