quinta-feira, 19 de setembro de 2013

ENTREVISTA: ESPECIALISTAS COMENTAM CRISE NA SÍRIA

Postado por  on set 19th, 2013 em Mundo.

Os pesquisadores Youssef Cherem e Renatho Costa respondem às principais questões sobre a situação conflitante do país árabe



Caroline Braga
Qual o contexto dos EUA para justificar o posicionamento favorável de Obama a uma intervenção militar na Síria?
Yousseff: Vários elementos políticos dos EUA têm-se mostrado reticentes quanto à perspectiva de uma intervenção militar no conflito sírio, tendo em vista o que aconteceu no Iraque. Lá foram utilizadas justificativas que depois se revelaram enganosas, sobre a necessidade de destruir os arsenais de armas de destruição em massa de Saddam Hussein. Houve um conflito que se arrastou por anos, em que foram gastos bilhões de dólares e no qual foram perdidas milhares de vidas, e do qual Iraque pena para se recuperar, com uma situação política e securitária instável. No entanto, Obama afirmou várias vezes que o uso de armas químicas ou biológicas seria uma “linha vermelha” que não deveria ser ultrapassada. Mas não há evidências definitivas sobre a culpabilidade do regime no caso dos ataques químicos na Síria. Outro problema, para os opositores da ideia de intervenção, é que não se pode prever o alcance — não é possível saber se ela será realmente limitada, nem rápida, nem se atingirá seus objetivos — que também foram vagamente definidos entre a) dissuadir o uso de armas químicas/biológicas por parte de Asad; b) acabar com a capacidade de Asad de utilizar esse arsenal.
Renatho: A justificativa de Obama muito se assemelha à propositura de Bush para invadir o Iraque em 2003. É importante lembrar de que desde o início dos conflitos na Síria, Obama declarou que o limite de tolerância dos EUA seria o uso de Armas Químicas contra a população. Então, Obama busca o apoio do Congresso suscitando o ideal estadunidense e das vantagens de depor Assad para instaurar um regime no qual o governante esteja alinhando aos EUA, exatamente como ocorre no Iraque e Afeganistão.
O que isso significaria para a imagem de Obama enquanto presidente?
Y: De um lado, a credibilidade: se Obama afirmou, como dito anteriormente, que não seria aceito o uso de armas químicas e biológicas, se ele não agisse suas ameaças perderiam a credibilidade e, portanto, sua força dissuasiva, tanto no presente quanto no futuro. Por outro lado, Obama está receoso quanto a um ataque unilateral, e ansioso por aprovação interna (Congresso) e externa (aliados e ONU). Sua imagem pode se deteriorar em tantos contextos (oposição interna, apoio/popularidade do cidadão americano, aliados na OTAN, sem contar com as respostas e repercussões no Oriente Médio) que se torna uma decisão muito delicada.
R: Se levarmos em consideração as promessas do primeiro mandato de Obama, que começou com seu discurso no Cairo, no qual propunha uma nova maneira de entender o Oriente Médio, temos de concluir que seu governo foi um grande equívoco. De certo modo, conseguiu retirar as tropas do Iraque, como constava em promessa de campanha, mas as riquezas petrolíferas do país estão nas mãos de empresas estrangeiras (direta ou indiretamente), e, a tão aclamada democracia não se sustenta no país. Os interesses econômicos continuam a pautar a atuação estadunidense no Oriente Médio, que é potencializada pelo interesse em ampliar seu raio de influência na região. O segundo mandato de Obama está servido para ratificar o fato de que independentemente do partido que governe os EUA, sua política externa é clara e sofre apenas algumas variações. Então, Obama, para o mundo muçulmano e países da América Latina, África e boa parte da Ásia, acaba tendo sua imagem de “vencedor do Nobel da Paz” entendida como mais um engodo.
A França está disposta a realizar uma intervenção militar no país. Quais são os incentivos para isso?
Y: A França, claramente, não está disposta a realizar isso sozinha. Mas o governo francês tem sido enfático em “apontar o dedo” para o regime sírio e reiterar a inadmissibilidade dos ataques químicos. Ainda há muitas incógnitas sobre as motivações ou interesses da França, que parece ser o país que mais está apoiando a posição de Obama no momento.
R: Existe divergência junto aos parlamentares e mesmo na população. Os franceses até demonstram ser mais suscetíveis à intervenção, desde que seja a partir de um aval da ONU. Hollande poderia ampliar seu prestígio no país e governar com mais tranquilidade. Há também o interesse financeiro, pois a derrubada de Assad deixará um espólio que será gerido pelos vencedores e a França tem interesse no gás sírio. Ainda, é importante lembrar que a Síria ficou sob o governo da França durante o período de Mandato, no início do século XX, e gradualmente foi perdendo sua capacidade de atuação no Oriente Médio conforme reduziu sua influência na região. Nesse sentido, uma suposta vitória dos aliados franceses e estadunidenses poderia trazer prestígio para Hollande e a França. Por essas razões a França endossa a atuação conjunta com os EUA, no entanto, já não o faz com a mesma veemência inicial, haja vista os EUA também terem noção do risco de enfrentar indiretamente Rússia, China e Irã.
Qual é a postura da China e da Rússia, principais aliados da Síria, sobre essa intervenção?
Y: Ambos os países são naturalmente propensos a bloquear qualquer ação internacional que resulte em uma quebra do princípio da soberania e da não intervenção – ambos têm seus próprios problemas com movimentos irredentistas/separacionistas/étnicos, e a desaprovação internacional que resulta das violações de direitos humanos (no caso desses movimentos e também num âmbito geral). Adicione-se a isso o fato que a Síria é um “Estado cliente” e aliado da Rússia, que a usa como uma carta para sua política internacional (no Oriente Médio e além). Já o Irã vê a Síria como um aliado fundamental num contexto geopolítico em que o mundo árabe sunita se lhe opõe ferozmente.
R: Ambos são completamente contrários à ação militar contra a Síria que vise à derrubada de Assad do poder e, caso venha a ocorrer, sem dúvida estes dois países, além de o Irã, poderão dar todo o suporte militar para as forças de Assad conseguir enfrentar os EUA. O grande problema é que esta opção transforma a guerra num cenário com alto poder destrutivo, seja pela utilização de mísseis por ambos os lados, ou pela maior capacidade de extermínio com o uso de armas mais poderosas por parte dos “Rebeldes” e das Forças Armadas sírias. E, como EUA, inicialmente, não tem interesse em utilizar tropas terrestres, o risco de que a destruição leve a massacres de civis é notória, seja de que lado for. Como China e Rússia não têm interesse em uma mudança da geopolítica local, vão levar esse confronto ao limite mais alto, talvez transformando a Síria em um espaço que todos os atores se enfrentassem através de outros grupos envolvidos diretamente na guerra.
Quais consequências os conflitos na Síria geraram ao país e à região?
Y: Uma das maiores consequências está no imenso fluxo de refugiados sírios no Oriente Médio. Se o número de mortos desde o início do conflito supera os 100.000, os refugiados já são mais de um milhão — mais de 700.000 só no Líbano, um país com menos de 5 milhões de habitantes. É uma situação insustentável. E o fluxo continua a aumentar. Por outro lado, é um conflito sem resolução em vista, que pode se arrastar por anos.

R: Se a guerra for deflagrada sem o aval de Rússia e China, ainda poderíamos ver a expansão dos conflitos para outros países da região. A Turquia, aliada estadunidense, poderia ser um alvo dos partidários de Assad, o que desestabilizaria o governo de Erdogan e o obrigaria ao revide. Também, devido ao apoio do Hezbollah a Assad, não seria muito complicado fazer com que a tensão com Israel fosse revitalizada e o conflito adentrasse no Líbano. Ainda há a possibilidade de o Hamas, aproveitando um suposto foco de ação de Israel no norte de sua fronteira com o Hezbollah, retome suas ações contra israelense. E, ampliando ainda mais este conflito, o Estado de Israel poderia aproveitar a oportunidade para lançar mísseis contra usinas de energia nuclear iranianas – como fez com o Iraque – para evitar o desenvolvimento de armas atômicas. Automaticamente o Irã iria revidar e a polarização do mundo muçulmano contra o inimigo comum israelense poderia criar alianças pragmáticas.

domingo, 8 de setembro de 2013


Brasília, 30 de agosto de 2013

Entrevista ao programa GIRO PELO MUNDO da Rádio Justiça, ancorado pelo jornalista Chico Gomes, sobre a situação atual do Iraque.
 


Fonte: http://www.radiojustica.jus.br/radiojustica/programacao.action