domingo, 10 de novembro de 2013

IRÃ – DA REVOLUÇÃO AO SEU ATUAL PAPEL NO SISTEMA INTERNACIONAL

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UM MUNDO EM CONVULSÃO


Informações: http://mundoemconvulsao.fflch.usp.br/node/1

MUITO ALÉM DE UMA GUERRA

Revista Carta na Escola, Edição nº 80, outubro/2013

Por que os ventos das revoltas árabes não sopraram 
a ponto de depor Bashar al-Assad e qual é a lógica 
de poder nessa região

Por Renatho Costa, internacionalista, historiador, professor e pesquisador da Universidade Federal do Pampa — publicado na edição 80, de outubro de 2013
Em dezembro de 2010, os países do Norte da África e do Oriente Médio passaram a vivenciar um processo de amplas transformações em suas estruturas político-sociais. Apesar de deterem características específicas quanto ao modelo de governo, prevalecia a centralização de poder nas mãos de uma pessoa ou de um grupo. E, com o movimento revolucionário que teve início na Tunísia e depois se alastrou pela Líbia, Egito, Iêmen e Jordânia, entre outros Estados, níveis distintos de mudanças foram alcançados.

Com o desencadear da Primavera Árabe, muitos grupos sociais encontraram espaço para manifestação e, com o suporte da comunidade internacional, puderam depor lideranças ditatoriais que comandavam os países há décadas. O tão alardeado “efeito dominó” fez ditaduras caírem num curto prazo, no entanto, em alguns países nem sequer os ventos da Primavera conseguiram soprar ou, quando tiveram essa oportunidade, nem sempre geraram transformações expressivas. Diante dessa disparidade de resultados da Primavera Árabe, o questionamento que perdura diz respeito à razão pela qual a Síria se encontra imersa numa guerra que, sob muitos aspectos, vem dizimando o Estado e a população. E, mais, tem como espectadores privilegiados os demais países e organizações internacionais que não se entendem quanto às medidas a ser adotadas.

Para entendermos o porquê de a Síria não ter conseguido depor seu governante com a mesma facilidade que o Egito, Tunísia e Líbia tiveram, é importante nos atermos em como o Estado sírio foi criado e o papel que passou a desempenhar no Oriente Médio.

O Oriente Médio, segundo a Europa
A Síria, como Estado Nacional e com as dimensões territoriais de hoje, é uma criação ocidental resultante das negociações entre franceses e ingleses sobre o destino do Império Otomano no fim da Primeira Guerra Mundial (quadro à pág. 31). Em razão do Acordo Sykes-Picot, de 1914, depois referendado pela Conferência de San Remo (1920) e pela Liga das Nações, a França passou a “tutelar” a Síria e o Líbano com base no sistema de Mandatos. A própria divisão dos Estados não levou em consideração aspectos histórico-culturais, mas apenas interesses geopolíticos das potências.
Com a independência, em 1946, a Síria passou a buscar a liderança no mundo árabe e logo se envolveu na guerra entre palestinos e israelenses de 1948. A derrota dos árabes desencadeou ressentimentos e perdas territoriais para os palestinos. Na sequência, os sírios ainda entraram em guerra contra Israel em 1967 (Guerra dos Seis Dias), na qual perderam o território conhecido como Colinas de Golã, e em 1973 (Guerra do Yom Kippur), mas em ambas foram derrotados.

A tensão vivenciada pelos países do Oriente Médio refletia, em muitos aspectos, o conflito entre EUA e URSS, uma vez que ambos necessitavam controlar os países produtores de petróleo e, para tanto, interferir na geopolítica local para atender a seus interesses. Como Israel contava com o apoio dos EUA, assim como o Irã (até 1979, quando ocorreu a Revolução Islâmica que depôs o xá Mohammed Reza Pahlevi), a URSS se via obrigada a fortalecer o seu apoio à Síria.

A “proteção” soviética gerou certo conforto para os governantes sírios exercerem sua influência no Oriente Médio e se posicionarem abertamente contra a política dos EUA. Ainda, com a ascensão do partido Baath ao poder, em 1963, houve maior aproximação aos soviéticos, devido à sua ideologia socialista.

Em 1971, depois de muita disputa política interna, Hafez al-Assad, de origem alauí-
ta – um segmento do xiismo –, tornou-se presidente da Síria. Ele conseguiu fazer com que essa minoria religiosa (aproximadamente, 10% da população) controlasse o país formado majoritariamente por sunitas (70%). Tal manobra política foi viabilizada devido ao seu controle das Forças Armadas e à política de modernização econômica que implementou no país, a qual passou a gerar melhora na qualidade de vida da população. Independentemente da estrutura centralizadora do poder, a construção do culto à sua figura fez com que Al-Assad se transformasse numa grande liderança local e no mundo árabe.

Hafez al-Assad nunca compartilhou dos pressupostos da Revolução Islâmica iraniana e, inclusive, tinha receio de que grupos fundamentalistas tentassem alterar a ordem secular do país. No entanto, a aproximação com o Irã teve o nítido propósito de encontrar mais um aliado contra os EUA e Israel. Nesse sentido, o apoio ao Hez-
bollah – organização xiita libanesa – em sua luta contra os israelenses se configurava numa estratégia ideal.

Em 2000, com a morte de Hafez, seu filho Bashar al-Assad assumiu o poder. De certo modo, preservou as diretrizes da política interna, o que foi importante para se legitimar junto à população, pois conseguiu herdar as benesses do culto à imagem que seu pai construiu.

No entanto, o panorama externo já não se apresentava tão favorável à Síria e, em 2001 a situação ficou ainda mais complicada com os atentados às Torres Gêmeas. Inicialmente, George Bush tinha forte interesse em inserir a Síria no “Eixo do Mal”, mas acabou priorizando Irã, Iraque e Coreia do Norte em sua estratégia contra o terrorismo.

Outro evento que pressionou o governo de Bashar foi a forte campanha internacional para que a Síria retirasse suas tropas do Líbano (lá presentes desde 1976) e, para tanto, a ONU baixou uma resolução que exortava todas as Forças Armadas estrangeiras a deixarem o país, sob o risco de represálias. Assim, a Síria retirou-se do Líbano em 2005, mas continuou influindo indiretamente na política interna libanesa.

Já em 2011, diante do cenário de relativa redução do poder de influência sírio na região, a “Primavera Árabe” surgiu como um evento que poderia ser utilizado pelas potências ocidentais no intuito de remover Bashar Al-Assad do poder, uma vez que fragilizaria o Irã e o deixaria mais isolado.
A atuação de Bashar não diferia de outras lideranças regionais. O nível de repressão vivenciado pela população civil síria não era apontado por organizações internacionais como destoante ou preo-
cupante. Ocorre que, diante da oportunidade de depor Bashar, os países ocidentais (partidários dos EUA) estimularam as oposições sírias a agir contra o governo. Sem esse “apoio externo” a repressão do governo teria abafado os “movimentos rebeldes” logo no início de suas manifestações, mas neste caso a mudança da geopolítica estava em jogo, por isso transcorreu de modo distinto.
Assim, os países ocidentais passaram a apoiar indiretamente as milícias que visavam derrubar Bashar. Os “rebeldes”, como são tratados pela mídia, são formados, basicamente, por mercenários de outros países e continuam sendo estimulados e financiados pelas potências ocidentais, exatamente como foi feito pela Otan e pelos EUA na Líbia. Evidentemente que surgiram grupos locais que se opuseram à política de Bashar, mas não de modo a conduzir um levante popular.

Diferentemente da deposição de Kad-
dafi (Líbia), que não contava com apoio externo de potências, tampouco de lideranças do mundo árabe, Bashar Al-Assad possui fortes aliados e sua manutenção no governo significa a preservação da atual geopolítica do Oriente Médio. E, nesse sentido, Rússia e China, com direito de veto no Conselho de Segurança da ONU, inviabilizam qualquer medida que pudesse levar à deposição de Bashar sem que seu sucessor fosse oriundo do mesmo grupo político. O próprio Irã, ainda em 2011, buscou promover a saída de Bashar por alguém ligado ao seu partido, mas essa opção acabou sendo descartada pelos EUA, pois poderia significar uma vitória para Ahmadinejad, então presidente do Irã, e a expansão da influência iraniana na região.

A China também vivencia certa preocupação com o apoio de movimentos populares que busquem derrubar governos que não são democráticos e, nesse sentido, a política externa dos EUA, que promoveu a invasão do Iraque, Afeganistão e agora procura criar mecanismos para fazer o mesmo na Síria, poderia estimular os chineses insatisfeitos com o regime a atuarem de modo semelhante. Essa alteração geopolítica seria muito desfavorável ao governo chinês, ainda mais se for considerado o aumento gradual do controle das reservas de petróleo que os EUA passariam a deter, direta ou indiretamente, com a intervenção nesses países.  Diante desse jogo pela mudança da geopolítica local no intuito de provocar um maior isolamento do Irã, os EUA lançaram mão de mais um argumento para justificar a intervenção: impedir o uso de armas de destruição em massa (ADMs) e violação aos direitos humanos.

Mesmo que não haja a confirmação de que Bashar al-Assad utilizou ADMs, esse argumento tende a ganhar legitimidade em caso de intervenção. E, com a interrupção das negociações pela via diplomática, devido ao impasse entre EUA, Rússia e China, Obama buscaria outros caminhos para impor os interesses dos EUA.

O efeito de uma intervenção na Síria sem o endosso da Rússia e China poderia repercutir em toda a região. Além de atrair o Irã para a guerra, potencializaria o conflito interno com o apoio militar russo, chinês e iraniano ao Exército de Bashar Al-Assad. Poderia expandir a guerra para a Turquia e Israel, neste caso contando com o apoio indireto do Hezbollah.

Devido a esse cenário conflituoso, a Síria transformou-se no mais importante tema da política externa atual. Os próximos lances desse complexo jogo são aguardados com muito anseio e preocupação, pois podem referendar o unilateralismo dos EUA ou reabrir caminhos diplomáticos que ainda não foram explorados completamente.
Em Sala/Relações internacionais

O conflito de interesse de uma política humanitária que pode extrapolar o bem-estar da população
Atividades

1) Pesquise junto às normas do Direito Internacional quais os critérios para intervenções humanitárias.

2) Faça um levantamento histórico e compare essa ação dos Estados Unidos com a intervenção no Iraque, em 2003, que também visava impedir a utilização de arma de destruição de massas.

3) Faça uma pesquisa histórica para 
entender o porquê de a maioria dos 
países do Oriente Médio não possuir governos democráticos.

4) Procure o significado e a diferença dos seguintes termos: Islã, soberania, armas de destruição em massa, geopolítica, revolução, democracia, ditadura.