terça-feira, 25 de março de 2014

FLORIANÓPOLIS INTEGRA PROGRAMAÇÃO DO FESTIVAL SUL-AMERICANO DA CULTURA ÁRABE

Florianópolis, 25 de março de 2014

Professor Renatho Costa fará palestra na UFSC sobre eventos no Oriente Médio; Na Fundação Badesc acontece mostra de cinema árabe

Edinara Kley
FLORIANÓPOLIS

Os efeitos da influência ocidental no Oriente Médio, desde a dissolução do Império Otomano no começo do século 20, até a situação atual da região da Ásia Ocidental marcada por permanente conflito, serão tratados durante o Festival Sul-Americano de Cultura Árabe. O evento acontece em março e comemora a imigração árabe no Brasil em 17 cidades brasileiras. Em Florianópolis, maior comunidade islâmica de Santa Catarina, haverá palestra, debates e festival de cinema.

                                                                                                   Rosane Lima/ND
Renatho Costa palestra sobre os reflexos da dominação ocidental

Para falar dos reflexos da dominação da França e Grã-Bretanha, nos estados e países árabes e islâmicos, a UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) traz o professor Renatho Costa, do Departamento de Relações Internacionais da Unipampa (Universidade do Pampa). Sua palestra “Oriente Médio em Ebulição” acontece hoje, na instituição.

A proposta de Renatho Costa, que morou no Irã para concluir sua tese de mestrado, é uma reflexão sobre os acontecimentos atuais, centrados em guerras e movimentos políticos, como reflexos da dominação ocidental iniciada há cem anos. A autoridade estrangeira, de acordo com o professor, acabou criando estados artificiais comandados por líderes desalinhados com os interesses da população.

A interferência de países ocidentais em um regime no qual historicamente nunca houve uma democracia é vista com preocupação pelo estudioso. “O modelo democrático que nós queremos não corresponde às expectativas das comunidades que vivem lá. Se fala em democracia, mas quando o grupo eleito não é o mesmo apoiado pelo ocidente, encontra-se uma maneira de retirá-lo do poder, como o caso do Egito, onde houve golpe de estado em 2013”, comenta.

Outras consequencias da intervenção estrangeira, enumera ele, foram a criação de grupos islamitas e o desencadeamento de movimentos populares como a Primavera Árabe, difundida em 2010. “A região convive com uma crise constante. Além de ser objeto de interesse econômico e geopolítico das potências que sucederam franceses e britânicos é palco de guerras civis e entre estados”, reitera.

A relação de Irã e Estados Unidos, que vivem um momento de flexibilização para negociações da tecnologia nuclear da República Islâmica, e a situação da Palestina também serão debatidos. “O Oriente médio não pode ser tratado de forma homogênea. É uma região cheia de particularidades e diferenças étnicas e religiosas. Penso que a maneira mais eficaz do ocidente ajudar é se afastar desse processo de democratização é deixar que o povo faça suas escolhas”, observa.

Comunidade islâmica no Brasil
                                                                                                                        Rosane Lima/ND
Palestino Khader Othman (à esquerda) vive há 40 anos em Florianópolis

Com a maior comunidade árabe do Estado, Florianópolis abriga mais de cem famílias de origem palestina e libanesa. A intensificação dos conflitos no Oriente Médio, no começo de 2014, também trouxe à cidade pequenos grupos de sírios e egípcios. Além da Capital catarinense, Foz do Iguaçu, no Paraná, e Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, são os refúgios do Sul mais procurados pelos imigrantes.

Representante dos refugiados árabes que cruzaram continentes e aportaram em território catarinense, o comerciante Khader Othman vive há 40 anos na Capital e diz se sentir quase um brasileiro. “A gente chegou há muito tempo. Nossa origem é palestina e nossas ligações com o Oriente são grandes, mas aqui é nosso lugar”, afirma.

As relações estreitas entre Brasil e Oriente Médio, lembra Renatho Costa, estão entre as alternativas de interferência estrangeira para pacificação em zonas de conflito. Na última semana o professor participou de um debate no Palácio do Itamaraty, em Brasília, sobre como o país deve se posicionar perante os conflitos.

“Ao acolhê-los, o Brasil acabou, de certa forma, harmonizando essas culturas que mantém contato com sua terra natal. A ideia é utilizar esse respeito que os árabes têm pelo país para intermediar as negociações de paz. Não é simples. Por enquanto existe uma limitação, mas podemos criar condições de conseguir isso”, explica.

Mostra de Cinema Árabe

Quatro filmes, realizados em Marrocos, Palestina, Líbano e Egito nas duas últimas décadas, serão exibidos na Fundação Cultural Badesc entre 25 e 28 de março. A Mostra de Cinema Árabe acontece em parceria com o projeto Presença Árabe no Brasil, e traz três ficções e um documentário que tratam da cotidiano, de personagens, e da guerra. Na abertura, o ex-embaixador da Palestina no México, o professor da Unisul Fawzi El-Mashi vai falar sobre os filmes selecionados e as questões do mundo árabe.

Serviço

O quê: Palestra: “Oriente médio em ebulição – Reflexo de um século de atuação efetiva do Ocidente”, com Renatho Costa
Quando: Dia 25/3, 19h30
Onde: Auditório do Centro de Filosofias e Ciências Humanas da UFSC, Rua Roberto Sampaio Gonzaga, campus universitário, Trindade, Florianópolis
Quanto: Gratuito

O quê: Mostra de Cinema Árabe
Quando: 25 a 28/3, às 19h
Onde: Fundação Cultural Badesc, rua Visconde de Ouro Preto, 216, Centro, Florianópolis, tel. 3224-8846
Quanto: Gratuito

quinta-feira, 20 de março de 2014

ORIENTE MÉDIO EM EBULIÇÃO - PALESTRA UFSC


Leia mais em:

DIÁLOGOS SOBRE A POLÍTICA EXTERNA - TEMA ORIENTE MÉDIO


Vários segmentos da sociedade participaram da Mesa sobre Oriente Médio. Dentre os quais pode-se destacar acadêmicos como Arlene Clemesha, Salem Nasser, Paulo Hilu, Renatho Costa, Guilherme Casarões, Michel Gherman, além de representantes da Comunidade Judaica, Mídia, Petrobrás, Câmara de Comércio Árabe-brasileira, etc. 

Segue o artigo apresentado no evento:

DA “política entre AS Nações” ao “Diálogo entre as Civilizações”

Renatho Costa
Um Sistema em Configuração          

Na década de 1940, ainda sob os efeitos do encerramento da Segunda Grande Guerra, Hans Morgenthau, em sua obra “Política entre as Nações”, apontou para o que seria o modelo de atuação dos Estados e suas prioridades frente à reconfiguração do sistema internacional. De modo enfático, o estadocentrismo se reafirmava num mundo que passamos a perceber apenas através de dicotomias como “o branco e o preto”, “o bom e o mau”, “o socialista e o capitalista”, etc. Reinara, desse modo, a Bipolaridade, ou seja, um mundo que, devido à sua “simplicidade” – sob a perspectiva estrutural –, tinha no poderio militar o equilíbrio, e, aqueles que não conseguiam balancear seu poder estavam fora das grandes decisões.

No plano internacional, não seria exagero dizer que a própria estrutura das relações internacionais – tal como refletida em instituições políticas, procedimentos diplomáticos e ajustes legais – vem tendendo a distanciar-se da realidade política internacional, e a tornar-se irrelevante para a mesma. Enquanto a primeira presume a “igualdade soberana” de todas as nações, a segunda é dominada por uma extrema desigualdade dessas mesmas nações, duas das quais são chamadas de superpotências porque dispõem de um poder sem precedentes de destruição total, e muitas outras são intituladas de “miniestados”, devido ao seu minúsculo poder, se comparado a dos tradicionais estados-nações. (MORGENTHAU, 2003, p. 12)

            Neste período, que convencionou-se chamar de Guerra Fria, a alta política reinava absoluta e pouco espaço havia para atores do então Terceiro Mundo. Inclusive, para muitos teóricos que procuravam traçar análises geopolíticas, o Sul era percebido apenas como um apêndice para as potências, tal o tensionamento Leste-Oeste. Nesse sentido, regiões como o Oriente Médio tinham apenas importância pertinente às suas potencialidades, ou seja, como poderiam atender à demanda das superpotências.
            De fato, este modus operandi não foi característico das potências da Guerra Fria, no final do século XIX, França e Grã-Bretanha contribuíram para a desestruturação do Império Otomano e, já no século XX, com a assinatura do Acordo Sykes-Picot (1916), disputaram seu espólio. Desse modo, o que se tornou o Oriente Médio também pode ser entendido como o resultado da ingerência do Ocidente na região, e, consequentemente, da criação de Estados que nem sempre possuíam identidade própria, mas que suas lideranças mantinham fidelidade aos governos francês e britânico.
            A atuação das potências na região do Oriente Médio não difere muito da estratégia adotada em outras regiões do globo, contudo, o volume de petróleo lá presente fez com que se tornasse um maior atrativo e espaço para disputas mais intensas. Também, há de se ressaltar que esta região fazia parte do “Grande Jogo”, no qual britânicos e russos travavam uma disputa geopolítica pela Ásia.
            Assim, com o enfraquecimento das antigas potências e surgimento de Estados Unidos e União Soviética como superpotências, no pós-II Guerra Mundial, a percepção que havia do Oriente Médio não sofreu grandes alterações e a disputa perdurou, apenas com o elemento ideológico agregado. E, é sob esta perspectiva que Morgenthau estabelece as diretrizes do Realismo nas Relações Internacionais, ou seja, um espaço seleto para Estados que tenham condições de balancear poder entre si.
            Neste cenário, como exposto anteriormente, os países do Sul não tinham função relevante e eram mantidos sob a égide das superpotências. A Política Externa destes países muitas vezes estava vinculada à estadunidense ou soviética, ou quando isso não acontecia, sua atuação se dava de modo restrito no qual o caráter comercial prevalecia.
            No entanto, os pressupostos do Realismo deixaram de fornecer ferramentas suficientes para explicar as transformações que o sistema internacional sofreu com a inserção de novos atores. Assim, Kenneth Waltz (1979) passou a analisar a atuação dos Estados a partir de uma estrutura maior, qual seja, o Sistema Internacional. Como resultado, as teorias sistêmicas ganham espaço nas Relações Internacionais, pois a ênfase dada está no posicionamento que os atores ocupam no sistema internacional e este pode variar.

Os agentes e as agências actuam; o sistema como um todo, não. Mas as acções dos agentes e das agências são afectadas pela estrutura do sistema. Em si mesma, uma estrutura não leva directamente a uma resultante e não a outra. A estrutura afecta o comportamento dentro do sistema, mas fá-lo indirectamente. Os efeitos são produzidos de duas formas: através da socialização dos actores e através da competição entre eles. Estes dois importantes processos ocorrem em relações internacionais como ocorrem em qualquer tipo de sociedades. (WALTZ, 2002, p. 107)

Ainda, no processo de análise das transformações ocorridas no Sistema Internacional, a perspectiva da Interdependência Complexa (1977), proposta por Joseph Nye e Robert Keohane, acaba enfatizando o nível de dependência mútua dos atores – aqui não mais restrito aos Estados – e sua atuação num sistema que não estaria pautado apenas pelo poderio militar. Os liames da interdependência dar-se-iam através de múltiplos canais de comunicação e negociação entre os atores e não necessariamente através de conexões formalmente estabelecidas pela diplomacia.
As relações de interdependência, por vezes, ocorrem num ambiente pautado por regras, normas e procedimentos que servem para regular o comportamento dos atores e controlá-los, estrutura essa que Nye e Keohane classificaram como regimes. Embora o Direito Internacional e as Organizações Internacionais sejam, em geral, frágeis em áreas específicas, os regimes – de modo formal ou informa – acabam obtendo influência substancial. Esses regimes, por sua vez, se configuram nos fatores imediatos entre a estrutura de poder do sistema internacional e a capacidade de negociação político-econômica interna, mas também são nítidos produtos da estrutura de poder do sistema. Por isso que mudanças graduais ou bruscas de regimes são importantes na interpretação de sua influência. (KEOHANE; NYE, 1977)
Assim, Nye e Keohane, com a interdependência complexa, estabelecem que as inter-relações seriam a chave para a preservação da estabilidade, haja vista o nível de interação dos atores não mais proporcionar vantagens para a tradicional opção belicista. No entanto, a capacidade militar não é deixada de lado, apenas, os atores que até então não "participavam do jogo", conseguiram expressar sua importância. E, neste nível de complexidade do sistema, outras características ganham destaque e Estados que sequer tinham espaço para se manifestar, buscam atuar tanto no âmbito regional quanto internacional.