segunda-feira, 9 de julho de 2007

A CRISE NO ORIENTE MÉDIO ENTRE O HAMAS E O FATAH


Entrevista publicada em CENÁRIO INTERNACIONAL em 28/06/2007 - ISSN 1981-9102. Disponível no site: http://www.cenariointernacional.com.br/ri/default2.asp?s=entrevistas2.asp&id=504

Os grupos palestinos Fatah e Hamas deixaram de lado o conflito que já perdura por 59 anos com o Estado de Israel e mergulhou numa luta que já matou mais de 100 pessoas. A economia regional, estrangulada por décadas de conflito, perde ainda mais força. Para discutir esses e outros assuntos, o Cenário Internacional entrevistou o Prof. Renatho Costa, que é especialista em questões do Oriente Médio.

Cenário Internacional: Você acha que a crise que se desenrola nos territórios palestinos entre o Fatah e o Hamas pode ser considerada uma Guerra Civil?

Prof. Renatho Costa: Entendo que podemos considerar, sim, uma guerra civil. É possível chegarmos a essa conclusão com base no fato de que temos uma mesma população lutando pelo direito de ditar os desígnios de seu povo. Porque, na verdade, é essa a motivação desses dois grupos que, até determinado momento, conseguiam conviver “pacificamente”, no entanto, quanto mais suas propostas se distanciaram – o Hamas é islamista e o Fatah é secularista – e o Ocidente fez a opção pelo Fatah, o embate passou a ser uma questão de tempo. Como toda guerra civil, o fratricídio é inevitável e, por mais que entendamos que se trata de um embate dentro de um mesmo grupo religioso – muçulmano sunita –, somente a opção do Fatah por negociar com Israel e, conseqüentemente, com o Ocidente, já o transforma num “traidor do Islã”, por isso, suscetível à morte – conforme a visão islamista.

Cenário Internacional: Quais as conseqüências política, econômica e social dessa crise para as populações locais?

Prof. Renatho Costa: De certa forma, o rompimento do Fatah com o governo de coalizão que havia formado com o Hamas vai fazer com que o Ocidente volte a destinar verbas para os palestinos, assim, pelo menos a população da Cisjordânia pode acabar sendo beneficiada e tendo sua qualidade de vida melhorada. No entanto, esse apoio financeiro poderá gerar a sensação de que o Fatah, definitivamente, se alinhou ao Ocidente e Israel. O risco para isso é de que a retaliação do Hamas seja ainda mais dura contra os partidários do Fatah. Politicamente, a manutenção do Fatah na direção da Autoridade Palestina não significa que teremos condições para retomar negociações de paz entre palestinos e Israel. Hoje, a AP não representa os palestinos e isso inviabiliza qualquer acordo. Se não havia consenso acerca da viabilidade da criação de dois estados na Palestina, hoje, com o Hamas controlando a Faixa de Gaza, dificilmente teremos condições para criar três Estados! O resultado imediato dessa divergência político-religiosa entre Hamas e Fatah repercute diretamente na população palestina. Israel, na iminência de sofrer algum tipo de represália por parte do Hamas, pode acabar invadindo a Faixa de Gaza e intensificando a segurança na Cisjordânia para diminuir os riscos de atentados terroristas em Israel. Esses procedimentos de segurança, definitivamente, vão dificultar ainda mais as condições de vida dos palestinos.

Cenário Internacional: Comerciantes e fazendeiros da Faixa de Gaza dizem que a situação econômica na região era muito melhor sob ocupação israelense. O que você acha disso?

Prof. Renatho Costa: De fato, se considerarmos somente o aspecto econômico, provavelmente chegaremos à conclusão de que a situação local era muito melhor sob a ocupação israelense, no entanto, esse decréscimo da qualidade se deu, em grande parte, devido às dificuldades impostas pelos israelenses assim que deixaram a região. A Faixa de Gaza é uma região pobre em recursos naturais e super povoada. Sempre sofreu restrições quanto ao seu desenvolvimento econômico enquanto esteve sob domínio israelense, assim, não seria possível imaginar que a “independência” de Gaza geraria, sem incentivo externo, algum tipo de desenvolvimento econômico da região. Ainda hoje os palestinos de Gaza dependem de Israel para conseguir emprego. Contudo, com o Hamas assumindo o governo local, cada vez mais os comerciantes e fazendeiros sofrerão restrições por parte dos israelenses –por considerarem de alto risco o acesso de palestinos ao seu território –e, dos próprios membros do Hamas, que poderão considerá-los colaboracionistas, caso mantenham qualquer tipo de relação com Israel, um Estado não reconhecido pela organização.

Cenário Internacional: O que você acha do muro que Israel está construindo na fronteira com Cisjordânia. Esse pode ser um dos motivos do conflito atual?

Prof. Renatho Costa: É fato que os judeus sofreram com a violência nazista ao terem seu direito de ir-e-vir restrito e, mais ainda, serem confinados em guetos cercados por muros. É fato que essa restrição de liberdade se dava por motivos de segurança, ou seja, era muito mais fácil para os nazistas controlarem os judeus no interior dos muros dos campos de concentração e guetos, que soltos pelas cidades, onde poderiam organizar-se contra seus algozes. O que causa estranheza à grande parte dos analistas de RI é que o Estado de Israel – formado por judeus que sofreram a violência nazista – utiliza-se de mecanismos semelhantes para “se defenderem”. A construção do muro na fronteira com a Cisjordânia vem sendo criticada há muito, principalmente pelos intelectuais, como Edward Said, falecido em setembro de 2003. A justificativa para a construção do muro somente se sustenta na lógica da segurança nacional, no entanto, quanto mais Israel se fecha – ou os palestinos, dependendo do ponto de vista –, mais gera ódio da população palestina. A restrição de liberdade, aliada às condições precárias de vida nos campos de refugiados, se, num primeiro momento, não representaram a motivação imediata para o rompimento entre Hamas e Fatah, obviamente, afastam a possibilidade de quaisquer dos grupos virem a negociar com Israel num momento posterior. E, sem a atribuição de legitimidade dada pela população, qualquer acordo que as lideranças alcançarem poderá não ter repercussão.

Cenário Internacional: Com a crise na Palestina das últimas semanas, a região ficou ainda mais dividida entre os simpatizantes do Hamas e do Fatah que disputam o controle regional. Assim, é possível traçar um desfecho para essa crise?

Prof. Renatho Costa: É muito difícil fazer qualquer previsão para essa crise, no entanto, alguns cenários parecem ser mais viáveis que outros. O primeiro questionamento que se faria é: até que ponto os israelenses agüentarão os ataques do Hamas ao seu território sem que programem a invasão da Faixa de Gaza? E, se invadirem, qual seria a vantagem? Voltar a controlar Gaza não parece ser interessante para Israel, haja vista poder gerar efeitos colaterais devastadores como a intensificação de atentados terroristas em território israelense. Assim, é melhor não cometer o mesmo erro que tiveram ao invadir o Líbano em 2006. Por outro lado, uma “guerra controlada” – que não atinja significativamente o território e a população de Israel – entre palestinos, talvez seja interessante aos israelenses, haja vista minar as forças dos dois lados e enfraquecer temporariamente a discussão acerca da criação do Estado Palestino. Poderíamos, também, aventar a possibilidade de intervenção externa nessa “guerra civil”, porém, o ator mais capacitado para agir nessas circunstâncias seria os Estados Unidos, no entanto, já estão demasiadamente “atolados” nos problemas iraquianos e afegãos para abrirem outra frente de batalha contra os sunitas palestinos. Assim, o mais provável é que o Fatah consiga apoio extra-oficial dos Estados Unidos e demais atores ocidentais – como a retomada da ajuda financeira – para lutar contra o islamismo do Hamas. No entanto, mesmo assim a vitória não estaria assegurada a nenhum dos lados. Concluindo, não havendo clima propício para uma renegociação política entre Hamas e Fatah, é provável que a guerra civil perdure por mais algum tempo e gere muito dano para a população palestina, de modo geral. Talvez, a única possibilidade de paz esteja fora da área do conflito, ou seja, se atores externos –lideranças políticas e/ou religiosas –, que exerçam influência sobre os líderes do Hamas e Fatah, chegarem a um acordo que seja interessante para si e, assim, sentirão estimulados a influírem nos grupos em litígio.

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