quarta-feira, 2 de março de 2011

A CRISE DA LÍBIA E O OLHAR DO ESPECIALISTA

Caderno Internacional - Quarta-feira, 02 de março de 2011, p. 3
Por Cleizer Maciel

Para o professor do curso de Relações Internacionais da Unipampa em Livramento, Renatho Costa, a queda de Muammar Kadafi é apenas uma questão de tempo

O mundo assiste perplexo a uma crise que envolve diversos países do norte da África e que já culminou com a queda do ex-presidente do Egito, Hosni Mubarak. Protestos no Iêmen com alto teor de agressividade, resultado da organização de grupos que, mesmo trabalhando de forma praticamente isolada na forma de ser oposição aos governos, conseguiram encontrar o que pode ser considerado uma brecha histórica, e estão promovendo mudanças nas lideranças de seus respectivos países.

O grande alvo do momento, e que tem atraído para si os olhos da imprensa internacional e demais habitantes do planeta, chama-se Líbia. A revolta na Líbia em 2011 é uma onda de protestos populares com reivindicações sociais e políticas, iniciada em 13 de fevereiro de 2011 neste país e faz parte do movimento de protestos nos países árabes em 2010-2011. Tal como nas recentes revolução na Tunísia e revolução no Egito, os manifestantes exigiam mais liberdade e democracia, mais respeito pelos direitos humanos, uma melhor distribuição da riqueza e a redução da corrupção no seio do Estado e das suas instituições. O chefe de Estado líbio, Muammar Kadafi, também conhecido como Gaddafi, Kadhafi e Qaddafi, é o chefe de Estado árabe no cargo há mais tempo: lidera a Líbia há 42 anos.

Para o professor do Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Pampa - Unipampa, em Sant'Ana do Livramento, Renatho Costa, - Doutorando em História Social pela FFLCH/USP (2007), mestre em História Social, também, pela FFLCH/USP (2006); graduado em Relações Internacionais pela Faculdade Santa Marcelina (2003), com experiência na área de Ciência Política, com ênfase em Relações Internacionais (assuntos relacionados ao Oriente Médio), atuando principalmente nos seguintes temas: Hezbollah, Líbano, Síria, Terrorismo, Israel, Irã, Iraque e Questão Palestina - o conflito pode estar perto do seu fim.

Nos últimos dias, Renatho foi entrevistado sobre o assunto na rádio CBN de São Paulo, no programa Fato em Foco. Na tarde de ontem, ele concedeu entrevista ao Jornal A Plateia. Para o professor, o tempo de Muammar Kadafi à frente do governo da Líbia já está completamente esgotado.
 
Entrevista


A Plateia: Em Sant'Ana do Livramento há uma comunidade muito grande de árabes, palestinos, libaneses, sírios, e líbios e que estão preocupados. Como o senhor analisa a crise na Líbia?


Renatho Costa: Não dá para analisar o que está acontecendo lá a partir de uma variável. Acho que o que temos percebido é que os regimes ditatoriais que tomaram países como a Libia e o Egito, tiveram um desgaste natural que gradualmente foi oprimindo e reduzindo o poder econômico das populações. Assim sendo, considero que o fator que propicia esses movimentos é a queda na capacidade econômica do povo e, gradualmente, também, esses regimes, pelo menos o Egito, eram mantidos por uma política norte- -americana que financiava a manutenção de uma liderança ali na região do Oriente Médio que atendia aos interesses geopolíticos dos Estados Unidos. No caso da Líbia especificamente, era um país que contava com uma capacidade de produção de petróleo muito grande, e ela trilhou um caminho distinto. Kadafi apoiou diversas organizações terroristas, facilitou as transações de armas para o IRA e ETA, além de participar, também, de atentados terroristas, como o ocorrido em uma danceteria na Holanda. A partir daí foram impostas várias sanções contra a Líbia, o que fez com que se tornasse um país à parte, fechado, fazendo com que o seu mandatário tivesse o poder total impedindo que outros países interviessem ali. Algum tempo depois, o país foi reintegrado ao sistema internacional, mas a população continuava excluída. A partir do momento em que surgiram esses focos revolucionários em outros países, não há dúvida que isso facilitou o início desse movimento que estamos assistindo hoje. É uma situação gravíssima e a tendência é que, ou haja uma intervenção internacional de fato, ou ali pode acontecer um genocídio. A tendência é que ocorram muito mais mortes.

A Plateia: É possível fazer alguma vinculação com motivação religiosa nessa revolta?

Renatho Costa: Não, esse processo é anterior e se dá a partir do período de sua colonização que é muito mais antigo. Não há como fazer essa vinculação.

A Plateia: O Brasil tem assistido às repetidas crises que envolvem países da Europa e agora do Oriente e África do Norte, sendo alguns deles, produtores de petróleo como a Líbia, e o Brasil em fase de desenvolvimento. É possível afirmar que a crise, se chegar ao país, pode encontrar uma economia preparada e capaz de suportar mais este impacto?

Renatho Costa: Não sou um especialista em economia para tecer observações sobre o modelo econômico brasileiro, mas no que tange à minha área, em uma discussão um pouco mais política, posso dizer que o Brasil vem galgando um espaço maior no sistema internacional. Se há um país que não mais está em eterno desenvolvimento, esse é o Brasil.

A Plateia: Apesar do risco de uma invasão, o senhor acredita que os Estados Unidos possam invadir a Líbia?

Renatho Costa: Não acredito nessa possibilidade, uma vez que não é o estilo de Barack Obama. Agora, referendado por um Conselho de Segurança, tropas internacionais serem enviadas para lá para evitar que se expandam esses enfrentamentos e reduzir a ação das tropas fieis as de Kadafi, eu acho mais possível. Acredito que já esteja em um processo de negociação para que Muammar Kadafi deixe o poder. Muitos desses líderes têm suas fortunas bloqueadas em bancos do exterior e precisamos saber qual país vai recebê-lo. Não vejo um ataque pontual, mas não está descartado, uma vez que, caso ele mantenha essa posição tão dura, a comunidade internacional certamente vai atuar. Agora depende muito dele. Acho que essa semana ainda vamos ter uma reviravolta, já que a situação está insustentável na Líbia. Ou parte para o enfrentamento ou tenta um acordo.
 
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