Vários segmentos da sociedade participaram da Mesa sobre Oriente Médio. Dentre os quais pode-se destacar acadêmicos como Arlene Clemesha, Salem Nasser, Paulo Hilu, Renatho Costa, Guilherme Casarões, Michel Gherman, além de representantes da Comunidade Judaica, Mídia, Petrobrás, Câmara de Comércio Árabe-brasileira, etc.
Segue o artigo apresentado no evento:
DA “política
entre AS Nações” ao “Diálogo entre as Civilizações”
Renatho
Costa
Um Sistema em
Configuração
Na
década de 1940, ainda sob os efeitos do encerramento da Segunda Grande Guerra,
Hans Morgenthau, em sua obra “Política entre as Nações”, apontou para o que
seria o modelo de atuação dos Estados e suas prioridades frente à
reconfiguração do sistema internacional. De modo enfático, o estadocentrismo se
reafirmava num mundo que passamos a perceber apenas através de dicotomias como
“o branco e o preto”, “o bom e o mau”, “o socialista e o capitalista”, etc. Reinara,
desse modo, a Bipolaridade, ou seja, um mundo que, devido à sua “simplicidade”
– sob a perspectiva estrutural –, tinha no poderio militar o equilíbrio, e,
aqueles que não conseguiam balancear seu poder estavam fora das grandes
decisões.
No
plano internacional, não seria exagero dizer que a própria estrutura das
relações internacionais – tal como refletida em instituições políticas,
procedimentos diplomáticos e ajustes legais – vem tendendo a distanciar-se da
realidade política internacional, e a tornar-se irrelevante para a mesma.
Enquanto a primeira presume a “igualdade soberana” de todas as nações, a
segunda é dominada por uma extrema desigualdade dessas mesmas nações, duas das
quais são chamadas de superpotências porque dispõem de um poder sem precedentes
de destruição total, e muitas outras são intituladas de “miniestados”, devido
ao seu minúsculo poder, se comparado a dos tradicionais estados-nações.
(MORGENTHAU, 2003, p. 12)
Neste período, que convencionou-se
chamar de Guerra Fria, a alta política reinava
absoluta e pouco espaço havia para atores do então Terceiro Mundo. Inclusive,
para muitos teóricos que procuravam traçar análises geopolíticas, o Sul era
percebido apenas como um apêndice para as potências, tal o tensionamento
Leste-Oeste. Nesse sentido, regiões como o Oriente Médio tinham apenas
importância pertinente às suas potencialidades, ou seja, como poderiam atender
à demanda das superpotências.
De fato, este modus operandi não foi característico das potências da Guerra Fria,
no final do século XIX, França e Grã-Bretanha contribuíram para a
desestruturação do Império Otomano e, já no século XX, com a assinatura do
Acordo Sykes-Picot (1916), disputaram seu espólio. Desse modo, o que se tornou o
Oriente Médio também pode ser entendido como o resultado da ingerência do
Ocidente na região, e, consequentemente, da criação de Estados que nem sempre
possuíam identidade própria, mas que suas lideranças mantinham fidelidade aos
governos francês e britânico.
A atuação das potências na região do
Oriente Médio não difere muito da estratégia adotada em outras regiões do
globo, contudo, o volume de petróleo lá presente fez com que se tornasse um
maior atrativo e espaço para disputas mais intensas. Também, há de se ressaltar
que esta região fazia parte do “Grande Jogo”, no qual britânicos e russos travavam
uma disputa geopolítica pela Ásia.
Assim, com o enfraquecimento das
antigas potências e surgimento de Estados Unidos e União Soviética como
superpotências, no pós-II Guerra Mundial, a percepção que havia do Oriente
Médio não sofreu grandes alterações e a disputa perdurou, apenas com o elemento
ideológico agregado. E, é sob esta perspectiva que Morgenthau estabelece as
diretrizes do Realismo nas Relações Internacionais, ou seja, um espaço seleto
para Estados que tenham condições de balancear poder entre si.
Neste cenário, como exposto
anteriormente, os países do Sul não tinham função relevante e eram mantidos sob
a égide das superpotências. A Política Externa destes países muitas vezes
estava vinculada à estadunidense ou soviética, ou quando isso não acontecia, sua
atuação se dava de modo restrito no qual o caráter comercial prevalecia.
No entanto, os pressupostos do
Realismo deixaram de fornecer ferramentas suficientes para explicar as
transformações que o sistema internacional sofreu com a inserção de novos
atores. Assim, Kenneth Waltz (1979) passou a analisar a atuação dos Estados a
partir de uma estrutura maior, qual seja, o Sistema Internacional. Como
resultado, as teorias sistêmicas ganham espaço nas Relações Internacionais,
pois a ênfase dada está no posicionamento que os atores ocupam no sistema
internacional e este pode variar.
Os
agentes e as agências actuam; o sistema como um todo, não. Mas as acções dos
agentes e das agências são afectadas pela estrutura do sistema. Em si mesma,
uma estrutura não leva directamente a uma resultante e não a outra. A estrutura
afecta o comportamento dentro do sistema, mas fá-lo indirectamente. Os efeitos
são produzidos de duas formas: através da socialização dos actores e através da
competição entre eles. Estes dois importantes processos ocorrem em relações
internacionais como ocorrem em qualquer tipo de sociedades. (WALTZ, 2002, p.
107)
Ainda,
no processo de análise das transformações ocorridas no Sistema Internacional, a
perspectiva da Interdependência Complexa (1977), proposta por Joseph Nye e
Robert Keohane, acaba enfatizando o nível de dependência mútua dos atores – aqui
não mais restrito aos Estados – e sua atuação num sistema que não estaria
pautado apenas pelo poderio militar. Os liames da interdependência dar-se-iam
através de múltiplos canais de comunicação e negociação entre os atores e não
necessariamente através de conexões formalmente estabelecidas pela diplomacia.
As
relações de interdependência, por vezes, ocorrem num ambiente pautado por
regras, normas e procedimentos que servem para regular o comportamento dos
atores e controlá-los, estrutura essa que Nye e Keohane classificaram como
regimes. Embora o Direito Internacional e as Organizações Internacionais sejam,
em geral, frágeis em áreas específicas, os regimes – de modo formal ou informa
– acabam obtendo influência substancial. Esses regimes, por sua vez, se
configuram nos fatores imediatos entre a estrutura de poder do sistema
internacional e a capacidade de negociação político-econômica interna, mas
também são nítidos produtos da estrutura de poder do sistema. Por isso que mudanças
graduais ou bruscas de regimes são importantes na interpretação de sua
influência. (KEOHANE; NYE, 1977)
Assim, Nye e Keohane, com a interdependência complexa, estabelecem que as inter-relações seriam a chave para a preservação da estabilidade, haja vista o nível de interação dos atores não mais proporcionar vantagens para a tradicional opção belicista. No entanto, a capacidade militar não é deixada de lado, apenas, os atores que até então não "participavam do jogo", conseguiram expressar sua importância. E, neste nível de complexidade do sistema, outras características ganham destaque e Estados que sequer tinham espaço para se manifestar, buscam atuar tanto no âmbito regional quanto internacional.
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